Reportagem do portal UOL mostra que a Polícia Federal pode concluir, no início de 2024, os inquéritos das fake news e das milícias digitais. Ambos miram os núcleos político e econômico do bolsonarismo, e os investigadores avaliam que já há elementos suficientes para indiciar Jair Bolsonaro por delitos cometidos ao longo dos quatro anos em que presidiu o País.
Mas os tipos desses crimes só serão definidos com a finalização em conjunto de todas as linhas de investigação envolvendo o ex-presidente. Indiciamento é quando a autoridade policial imputa a prática de um crime a um investigado. Depois disso, o caso será enviado ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, quer decidirá sobre uma eventual apresentação de denúncia contra Bolsonaro e seus aliados.
Os investigadores esperam que, com a saída de Augusto Aras da PGR, Gonet dê prosseguimento às investigações e apresente denúncias contra o ex-presidente após a entrega do material produzido pela PF. Somente após o recebimento de uma denúncia pelo Judiciário é que Bolsonaro se tornaria réu nesses casos.
O ex-presidente já foi condenado na esfera eleitoral à inelegibilidade por oito anos, o que o impede de concorrer a qualquer cargo nas próximas eleições. As investigações da PF são na esfera criminal. Caso seja condenado, dependendo da pena, Bolsonaro pode ser preso.
Interligação
O entendimento da PF é de que os fatos sob investigação envolvendo Bolsonaro estão interligados e, por isso, devem ser concluídos em conjunto. Os investigadores ainda finalizam a análise de materiais apreendidos, como telefones celulares e as apurações da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência da República que revelou a atuação de Bolsonaro em um plano golpista contra o resultado das eleições do ano passado.
Essa tentativa de golpe de Estado, de acordo com os inquéritos em andamento, tem conexão com a atuação das milícias digitais que atacaram as instituições democráticas durante quatro anos, entre outros fatos. Os inquéritos das fakenews e das milícias digitais abrangem diversas frentes de apuração, como o desvio de joias para venda no exterior e as fraudes nos certificados de vacina.
Os investigadores identificam uma conexão entre o cometimento desses delitos e a organização criminosa montada para realizar ataques às instituições democráticas. Para a PF, as milícias digitais também abriram caminho à obtenção de vantagens indevidas do Estado brasileiro pelo grupo do ex-presidente.
Apenas ao fim desse conjunto de investigações é que a PF definirá quais crimes estão caracterizados. Havia uma expectativa de finalizar essas apurações até o fim de 2023, mas o grande volume de provas sob análise atrasou o andamento do caso.Pelos fatos analisados até agora, há suspeita de delitos como organização criminosa, peculato (desvios de recursos públicos) e atos contra o Estado Democrático de Direito.
Cinco eixos
O inquérito das milícias digitais teve início após o arquivamento do inquérito dos atos antidemocráticos. Nessa investigação, a PF passou a se aprofundar na existência de grupos estruturados em redes sociais para atacar as instituições democráticas. Com o tempo, a PF identificou cinco eixos principais de investigação: ataques virtuais a opositores; ataques às urnas eletrônicas e às instituições do Judiciário; tentativas de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito; disseminação de notícias falsas sobre a covid-19; e o uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens indevidas.
A apuração, até o momento, aponta uma conexão entre esses crimes e as milícias digitais. Isso inclui, por exemplo, a inserção de dados falsos de vacinas contra a covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde e o desvio de joias dadas de presente ao Estado brasileiro para a venda no exterior e obtenção de vantagens patrimoniais.
A PF, agora, busca finalizar as diligências sobre esses temas para identificar quais condutas criminosas serão imputadas a Jair Bolsonaro. A apuração inclui a análise das quebras de sigilo bancário, de informações de cooperação internacional com os Estados Unidos e o conteúdo de celulares apreendidos.
Um personagem-chave foi essencial para o aprofundamento das investigações: o tenente-coronel Mauro Cid. Primeiro, a PF conseguiu acessar os diálogos do celular dele a partir da quebra do sigilo telemático do backup de seus dados. Com isso, obteve indícios de desvios de recursos de cartões corporativos, fraudes em cartões de vacina e de atos preparatórios para um golpe de Estado.
Preso em maio, Cid fez um acordo de delação premiada com a PF, homologado em setembro pelo ministro do STF Alexandre de Moraes. Cid deu detalhes aos investigadores sobre tratativas para a realização de um golpe de Estado mantidas por Bolsonaro após a derrota nas eleições do ano passado. Também revelou que a então primeira-dama Michelle e o deputado federal Eduardo (PL-SP), filho do ex-presidente atuavam como incitadores de um possível golpe.
Essas informações foram essenciais para que a investigação avançasse na participação de Bolsonaro em atos contra o Estado Democrático de Direito
O que diz a defesa?
Bolsonaro nega participação em tentativas golpistas ou outros crimes. Quando as declarações de Mauro Cid vieram a público, a defesa do ex-presidente afirmou que ele “jamais compactuou com qualquer movimento ou projeto que não tivesse respaldo em lei, ou seja, sempre jogou dentro das quatro linhas da Constituição Federal”.
Bolsonaro também já nega relação com os certificados falsos de vacina e o esquema de venda das joias. Sobre a inelegibilidade, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, disse, em entrevista à “Folha de S.Paulo”, que Bolsonaro foi “perseguido” e “injustiçado” pelo Tribunal Superior Eleitoral. Procurada, a defesa de Jair Bolsonaro ainda não se manifestou.
(*) Com informações do UOL