Quando se fala em reforma do Estado, a discussão sempre se fixa na crítica ao servidor público, como na campanha de desinformação atual que precede o encaminhamento do projeto da Reforma Administrativa do Ministério da Economia ao Congresso Nacional.
As comparações feitas são rasteiras, como “o servidor ganha mais do que se ganha na iniciativa privada”, sem sequer se qualificar a profissão de que se fala, a formação, o tempo de trabalho, a dedicação ao serviço e a responsabilidade assumida. Na comparação, por exemplo, entre a remuneração de entrada de um médico no serviço público e um médico na iniciativa privada, o serviço público paga mal e se não oferecer alguma vantagem não consegue contratar.
No caso específico dos médicos, ao longo dos anos o que vemos no Sistema Único de Saúde do Distrito Federal, por exemplo, é a oferta de salários pouco atrativos e condições de trabalho péssimas – o que se repete em todo o País. Não é à toa que a maioria dos aprovados em concurso não assume, pede exoneração ou simplesmente abandona o emprego nos primeiros meses após a admissão. Tem muito mais candidato em vestibular de Medicina do que em concurso para exercer a atividade no serviço público.
Não fosse a estabilidade que o servidor público dá às instituições públicas a cada governo que passa, o país já teria mergulhado no caos completo. Foi a necessidade da continuidade das instituições o que determinou a estabilidade funcional dos servidores – pois estão ali como agentes técnicos e não como agentes de uma ou outra ideologia política ou partidária.
Sem essa estabilidade, a orientação ideológica de cada governo pode gerar descontinuidade de políticas de Estado, queda na qualidade na prestação de serviços e na produtividade. Ou seja, mais do que ao servidor, a estabilidade interessa ao Estado. Os mecanismos de controle do desempenho já existem: O estágio probatório, as avaliações funcionais e as corregedorias.
O portal da Controladoria Geral da União mostra 7.357 expulsões de servidores de 2003 a 2018. Mas esses são uma minoria. O corpo funcional da União tem 75% de trabalhadores com instrução de nível superior e pós-graduação. Um contingente de profissionais qualificados, subaproveitados por práticas de gestão ultrapassadas, que ensejam a baixa produtividade e que desestimulam e limitam melhora do desempenho do indivíduo e das instituições.
As próprias avaliações funcionais são menosprezadas por gestores que, via de regra, ocupam as chefias por indicação política e não por comprovada competência e compromisso com a coisa pública.
A reforma que a equipe do ministro Paulo Guedes desenha é visivelmente um avanço no desmonte da estrutura estatal em benefício da iniciativa privada. Como foi a Reforma Trabalhista, da qual disseram que geraria inúmeros benefícios ao país, que nunca se materializaram. Pelo contrário: o desemprego aumentou, as relações de trabalho se tornaram mais frágeis, a renda das famílias está em queda e a economia desacelerou ainda mais.
O setor produtivo não tem apresentado contrapartidas positivas que justifiquem as mudanças introduzidas nas relações de trabalho nem os incentivos fiscais dados pelos governos, ao custo de queda na arrecadação. Não se fala sequer em cobrar dos beneficiados por essas políticas a dívida bilionária que têm com a Previdência Social.
Essa sequência de medidas, às quais os servidores (a maioria dos quais ajudou a eleger o presidente Jair Bolsonaro) acompanham dramaticamente anestesiados, terá consequências políticas futuras e alimenta um canal subterrâneo de insatisfação e descontentamento.
Não será de estranhar o retorno das manifestações de rua de 2013, que precipitaram as mudanças que a política brasileira vem sofrendo desde então.