Inconformado com a punição, sacerdote atrai multidões de devotos e desperta uma cisão na comunidade de fiéis de um dos municípios mais católicos do estado
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Alfenas – Cerca de 300 fiéis olham fixamente para o altar montado no galpão de 600 metros quadrados na periferia de Alfenas, no Sul de Minas, a 378 quilômetros de Belo Horizonte. As luzes se apagam e, por pouco mais de 10 minutos, o padre André Aparecido Silva, de 34 anos, iluminado por uma lanterna, passeia entre os presentes com a imagem dourada, de formato arredondado, contendo uma hóstia – o Santíssimo Sacramento da Igreja Católica. Alguns se ajoelham, choram, uma mulher grávida toca o objeto sagrado enquanto acaricia a barriga e senhoras rezam em voz alta, ao passo que o violonista vai aumentando o tom da voz para ditar a emoção.
Durante uma hora e meia, o discurso ameno e conciliador do sacerdote conduz a celebração, semelhante à de qualquer outra igreja católica sobre a face da terra – não fosse por um motivo. Em 7 de maio, André recebeu a excomunhão – a pena mais severa imposta sob as leis do Vaticano – por ter criado uma nova religião, a Igreja Católica Independente, que segue os mesmos preceitos e ritos da igreja milenar fundada por Pedro, mas sem qualquer vínculo com a hierarquia do Vaticano. A criação da nova igreja gerou uma espécie de guerra santa entre a população religiosa de Alfenas, uma cidade de 78 mil habitantes, dos quais 57 mil (73%) se declararam católicos no último Censo, em 2010 – percentual superior ao do Brasil (64,6%) e ao de Minas Gerais (70,4%).
A ampla maioria católica da cidade está distribuída em cinco paróquias, a mais nova delas a de São Sebastião e São Cristóvão, da qual André foi pároco nos últimos seis anos, até ser afastado da função no fim de agosto do ano passado. Na ocasião, o bispo da diocese de Guaxupé, dom José Lanza Neto, o afastou do cargo devido à “delicada situação financeira da paróquia”. O bispo cobrava explicações sobre o uso do dinheiro proveniente da venda de parte de um terreno de 26 mil metros quadrados, localizado em frente à paróquia, no Bairro Santa Maria, comprado em 2011 por R$ 550 mil.
Segundo André, o valor da venda de 10 mil m² por R$ 1,088 milhão – negociação que ocorreu após uma supervalorização imobiliária na região – serviu para quitar as parcelas restantes da área total, adquirir uma casa paroquial no valor de R$ 280 mil, reformar igrejas e capelas pertencentes à paróquia, além de construir e reformar casas de pessoas carentes – o que, segundo o padre, não seria permitido pela diocese. À exceção do dinheiro direcionado aos mais necessitados, todo o montante arrecadado e gasto constava na prestação de contas enviada à diocese, que, mesmo aprovada em 2012, não aliviou a punição imposta pelo bispo.
Desde então, o que se viu em Alfenas foi uma queda de braço entre o padre e a diocese, entremeada de acusações, decretos e repreensões, que serviram para dividir a opinião dos moradores. Em 15 de setembro, o bispo dom José Lanza emitiu uma repreensão canônica, alegando que o padre, ao explicar os motivos de seu afastamento à comunidade, havia feito discurso “altamente agressivo, com afirmações injustas e inverídicas” contra ele. O sacerdote foi obrigado a pedir desculpas diante dos paroquianos. Dez dias depois, mesmo aceitando o pedido de perdão, o bispo emitiu um preceito (similar a um decreto) impondo afastamento a André de qualquer celebração pública, por um ano, além de outras restrições que, caso não cumpridas, poderiam culminar no afastamento definitivo.
O religioso não cumpriu as ordens episcopais e, desde outubro, passou a celebrar missas em sua casa. Com o crescimento do número de fiéis nas celebrações restritas, o padre decidiu criar, em março, a Igreja Católica Independente, que segue os mesmos ritos e preceitos das missas tradicionais. A criação culminou na excomunhão latae sententiae (ou automática, sem julgamento) de padre André, pelo delito de cisma (recusa de sujeição ao sumo pontífice). Segundo o Código de Direito Canônico, comete-se o delito de cisma por duas maneiras: quando alguém se nega a se submeter ao papa, negando sua autoridade; e quando se nega a comungar com os membros da Igreja. O delito é punido automaticamente com a excomunhão, cuja a competência de aplicá-la é do bispo diocesano.
Cobranças e silêncio
A excomunhão da igreja contribuiu para o aumento da repercussão do caso e, consequentemente, para o crescimento da animosidade entre os fiéis que permaneceram na paróquia e os que migraram para a Igreja Católica Independente. As celebrações alternativas, às quartas e domingos, em um galpão alugado e bancado por devotos em uma região carente da cidade, tem reunido centenas de pessoas por encontro – superando a casa das 400, aos domingos. A intenção, segundo o padre, não é expandir a nova igreja, mas se dedicar à comunidade, com a criação de casas de assistência a pessoas carentes.André recebeu a reportagem do Estado de Minas em uma sala anexa à recém-fundada igreja. Durante mais de um hora, falou dos planos para a iniciativa, apresentou documentos e prestação de contas e comentou a polêmica que dividiu os fiéis da cidade. Tanto ele quanto os devotos que migraram para a nova religião cobram da diocese explicações sobre o afastamento e as punições, que consideram desproporcionais.A reportagem procurou o bispo dom José Lanza Neto. Por telefone, o chanceler da cúria, Claiton Ramos, disse que a diocese não se pronunciaria e que tudo sobre o caso está exposto em notas oficiais no site. O atual pároco da São Sebastião e São Cristóvão, padre Gilmar Antônio Pimenta, não quis gravar entrevista. Em conversa informal, na secretaria da paróquia, disse não estar autorizado a falar e que teria pouco a contribuir, já que chegou à cidade depois do afastamento. Disse que a comunidade está se recuperando e que a fé segue inabalada.
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Entenda o caso
27/8/2014
Alegando não conformidade na prestação de contas referentes à venda de parte de um terreno, o bispo da Diocese de Guaxupé, dom José Lanza Neto, pede o afastamento do padre André Silva da paróquia São Sebastião e São Cristóvão, de Alfenas
30/8/2014
Em celebração realizada na paróquia, o padre, ao explicar o motivo do afastamento, teria feito discurso agressivo e crítico ao bispo
15/9/2014
Por causa do discurso, o padre sofreu uma repreensão canônica, segundo a diocese por abuso de ofício eclesiástico, lesão à boa fama alheia e excitação pública de aversão e por incitar os paroquianos à desobediência. Foi intimado a comparecer à diocese para pedir perdão e a redigir uma retratação, que deveria ser lida na paróquia durante missa
25/9/2014
Mesmo aceitando a retratação do padre, o bispo assinou um preceito (similar a um decreto) impondo o afastamento do sacerdote por um ano de qualquer celebração pública, além de outras restrições que, caso não fossem cumpridas, culminariam na “demissão do estado clerical”
Out/2014
Discumprindo a ordem do bispo, o sacerdote passou a celebrar missas para cerca de 30 pessoas em sua casa
15/3/2015
Com o crescimento do número de fiéis, padre André assinou o edital de convocação para a assembleia de criação da Igreja Católica Independente
28/4/2015
Ao ter acesso aos documentos da criação da nova igreja, o bispo instituiu um processo administrativo penal e advertiu o padre a apresentar defesa escrita em 48 horas, o que não ocorreu
7/5/2015
Diante do silêncio do padre, o bispo assinou o decreto de excomunhão latae sententiae (automática), pelo delito de cisma (recusa a se sujeitar ao Sumo Pontífice)
Palavra de especialista
Rodrigo Coppe, professor da pós-gradução em ciências da religião da PUC Minas.
“A excomunhão é uma sanção específica da Igreja Católica romana, prevista no Código de Direito Canônico, que reúne as leis da Igreja. Diante dos casos que ali estão tipificados, a excomunhão ocorre. Nesse episódio específico, o padre, criado e ordenado na Igreja Romana, tinha todos os direitos que o sacramento da ordem dava a ele. À medida que ele não cumpre as prerrogativas estabelecidas, vai sofrer a sanção prevista, a excomunhão latae setentiae. Ao criar uma nova igreja, ele pode até estar celebrando missa, mas o sacramento não tem validade para a Igreja Romana. Tem para ele e para os fiéis”.
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