“A situação do meu pai é bem complicada. A ferida no pé direito dele está muito exposta já. E já está com mau cheiro, a dor é constante. As pernas dele também estão inchadas. Meu pai precisa de um tratamento. Os médicos disserem que é melhor amputar a perna dele. Porém, tinha que ser o mais breve possível, porque a tendência e só piorar. Até mesmo agravar a perna esquerda. Eles disseram que não tem previsão da cirurgia porque têm pessoas na frente”.
O drama narrado acima é do filho de um paciente do Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF) que está internado há mais de um mês com um ferimento provocado por um acidente. Por causa da demora, ele terá de amputar a perna. Mas nem isso está conseguindo, devido à omissão da unidade hospitalar. E na sexta-feira (5) ele testou positivo para a covid-19. Foi contaminado dentro do hospital.
Na terça-feira (1º/2), o deputado Chico Vigilante (PT) trouxe o caso ao conhecimento público, especialmente das pessoas presentes à primeira sessão do ano da Câmara Legislativa – entre elas, o governador Ibaneis Rocha (MDB).
Internado há mais de um mês na unidade gerida pelo Instituto de Gestão Estratégica da Saúde (Iges/DF), Raimundo Carvalho Gusmão, 62 anos, vive um terrível drama: precisa amputar uma perna devido à demora do atendimento. É o procedimento que lhe resta para permanecer vivo, diante do risco de avanço da infecção por todo o corpo.
Ele foi levado para o hospital após sofrer um acidente. Lá, foi submetido a um procedimento chamado osteossíntese (colocação de pinos de sustentação em membros do corpo fraturados, que foi o caso dele). Era uma medida paliativa, pois o paciente precisaria passar por outros tratamentos.
Porém, com a demora, os pinos se soltaram. Raimundo voltou a ser internado para que fosse realizada a substituição dos pinos. O tempo passou e nada foi feito. Resultado: a perna de Raimundo está irrecuperável e a recomendação do médico é a amputação.
Da esperança ao desespero
Chico Vigilante afirmou que Raimundo chegou ao hospital com a possibilidade e a esperança de ter a perna recuperada. “A perna dele está apodrecendo no hospital. Esse cidadão está lá há mais de 45 dias. Chegou com a possibilidade de recuperação e agora sua única chance de cura é a amputação”, lamentou o deputado.
O parlamentar interrompeu o discurso para reproduzir um áudio de Raimundo: “O médico passou aqui agora e disse que tem de aguardar a cirurgia de amputação. Mas não tem data ainda. Segundo ele, tem outros pacientes na minha frente. Aqui é muito enrolado”, disse, em mensagem gravada.
Em seguida, Vigilante olhou para o governador e disse que “essa é uma realidade do que está acontecendo com o Hospital de Base hoje”. E emendou: “a infecção pode tomar conta de todo o organismo do Raimundo”.
Nada melhorou com o Iges-DF
A constatação de Vigilante é corroborada pelos pacientes das unidades hospitalares administradas pelo Iges-DF. Em uma rápida incursão ao HBDF, a reportagem do Brasília Capital constatou a denúncia. O que se presencia no cotidiano da unidade hospitalar é que, no Pronto Socorro, nada mudou em relação ao modelo de gestão passado, quando a própria Secretaria de Saúde administrava o hospital.
A imagem lembra uma praça de guerra. Pessoas amontoadas dentro e fora dos corredores que levam aos consultórios esperam desalentadas a vez de serem atendidas. Até chegar esse momento, é preciso muita paciência e procurar o que fazer nesse ínterim para não perder a calma.
Ouça o áudio:
A moradora do Gama Ana Cláudia Pires, 38 anos, preferiu esperar do lado de fora a sua vez de ser atendida. Ela faz um tratamento de combate a um linfoma e teria de se submeter a uma tomografia. Sua consulta estava marcada para as 13h da quarta-feira (2), mas já passava das 14h30 e não haviam dado nem previsão de quando ela seria atendida.
Ao ser perguntada como estava sendo sua experiência com o modelo de gestão implantado no HBDF, ela fez um gesto de reprovação. “A experiência não é muito boa. Em Santa Maria, cheguei às 8h e saí às 12h do outro dia”, contou. O Hospital de Santa Maria também é administrado pelo Iges.
Ibaneis: da extinção à ampliação
A mudança de modelo de gestão do HBDF teve início no governo passado, inspirada nos moldes da Rede Sarah, considerada referência nacional em traumatologia. O hospital continua sendo mantido pelo governo, mas com regime autônomo para realizar compras, fechar contratos e contratar servidores sem as burocracias vigentes no serviço público.
Durante a campanha, Ibaneis Rocha fez críticas ao Instituto Hospital de Base (IHB) criado por Rodrigo Rollemberg (PSB). “Eu pretendo fazer isso. Não consigo entender ainda o que é o IHB. Parece uma maneira de tirar a transparência do sistema”, disse Ibaneis em entrevista ao CB.Poder, como candidato, em 20 de agosto de 2018, prometendo extinguir o IHB.
Mas, ao assumir a cadeira do antecessor, a quem derrotou em segundo turno, mudou de ideia e o nome do instituto, que passou a se chamar Iges-DF. Além disso, ampliou o modelo na rede pública, alcançando o Hospital de Santa Maria e as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs).
Ninguém responde
O Brasília Capital tentou reiteradas vezes obter uma resposta para o problema de Raimundo Gusmão. Mandamos mensagens via WhatsApp e por e-mail. Mas, até a publicação desta matéria, não obtivemos resposta. E Raimundo segue padecendo (e apodrecendo) num leito do HBDF.