Devemos buscar não apenas a promoção da imagem da mulher, mas realçar os desafios que lhes são específicos, assim como as desigualdades e violências que ainda existem
Zélio Maia da Rocha (*)
Mesmo sendo notório o avanço da consciência política da sociedade quanto à desigualdade entre homens e mulheres, ainda nos deparamos com pessoas que desconsideram os desafios que são específicos às mulheres no desempenho de suas atribuições diárias. Naturalizam as violências a que são submetidas (especialmente a violência simbólica) ou pregam como suficientes os avanços já conquistados, como se já tivéssemos atingido plena isonomia de gênero.
É importante destacar fatos recentes que revelam a permanência desse problema. Em especial, por demonstrar de forma eloquente que muitas dificuldades enfrentadas pelas mulheres, na família, no mercado de trabalho e na vida se originam na estrutura ideológica do machismo. Desse diagnóstico pode surgir despertamento para o problema e o início de um engajamento de todos os gêneros em direção à isonomia.
Quero relacionar exemplos da legislação: até novembro de 1997, estava contido artigo no Código de Processo Penal que exigia da mulher casada a necessidade de obter autorização do marido para poder oferecer queixa-crime. Somente em 2009 foi abolido do CPP a expressão “mulher honesta”. Até então, somente era considerada crime, no texto literal da lei, “induzir mulher honesta a praticar ou permitir que com ela se pratique ato libidinoso”. As demais, tidas como “desonestas”, não podiam recorrer aos tribunais nessas circunstâncias.
Outro exemplo é a “tese da legítima defesa da honra”, que era utilizada pelas defesas dos acusados de feminicídio ou agressões contra mulheres para atribuir às vítimas a causa de suas próprias mortes e/ou lesões. Muitos algozes foram absolvidos por supostamente terem agido em legítima defesa da honra e “matado por amor”. Apenas em 2021 o STF considerou essa aberração inconstitucional, banindo-a do ordenamento jurídico do País.
Ainda que o Direito pareça acompanhar a evolução da sociedade, o fato dessas normas terem sido abolidas tão recentemente revela quão desafiador é eliminar o entulho machista do cotidiano do sistema de Justiça criminal. Não à toa, são comuns relatos de constrangimentos, culpabilização e violência de mulheres em órgãos públicos, ainda que a maioria dos servidores esteja de fato comprometida a acolher e proteger.
Nos outros âmbitos da vida social, os exemplos são eloquentes. No trabalho, os indicadores revelam que as mulheres receberam, em média, 77,7% do montante auferido pelos homens, conforme dados do Ministério do Trabalho. A taxa de desocupação dos homens está em 9%, enquanto a de mulheres bate nos 13,9%.
Nas tarefas familiares elas são ainda mais penalizadas: segundo levantamento do IBGE de 2019, as mulheres dedicam quase o dobro de tempo que os homens (21,4 horas semanais contra 11 horas) no cuidado das pessoas e afazeres domésticos. A sobrecarga do trabalho doméstico prejudica a mulher na inserção e manutenção no mercado de trabalho. Isso é demonstrado em outra estatística exibida no mesmo levantamento: mulheres que compõem os 20% da população com os menores rendimentos são as que dedicam mais de 24 horas semanais aos afazeres domésticos.
No mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, devemos buscar não apenas a promoção da imagem da mulher, mas realçar os desafios que lhes são específicos, assim como as desigualdades e violências que ainda existem. Espero, com este artigo, contribuir com argumentos fáticos para esse propósito, de maneira a permitir uma compreensão dos direitos subtraídos das mulheres, subtração que as relega a uma intolerável e odiosa desigualdade que, infelizmente, ainda está presente entre nós de forma velada.
(*) Advogado (licenciado), subprocurador-geral do DF, professor de Direito Constitucional e atual diretor-geral do Detran-DF