Espumante no gelo, luz de velas – mentira! A luz era normal mesmo. Mas eu estava regulada para meia luz. Coisa de mulher, a tal meia-luz. Banho recente, sentiu o cheiro de sabonete? Música boa. Para completar, os tais morangos doces. Caríssimos, diga-se de passagem, mas um luxo. Em certas ocasiões não são só permitidos, são necessários.
E falta falar sobre um pequeno detalhe. Ele. Detalhe porque, no imaginário feminino, mais vale o cenário, a iluminação, o texto, e só muito depois e menores são os personagens. Mas faltava Ele. Sim, em maiúsculo, Ele, Ele, Ele. Um homem que devia ter ascendência grega. Digo, dos Deuses Gregos – mentira! Tinha mesmo era um sotaque que não deixava dúvidas da procedência sulista. Mas, Ela apaixonada, entregue a uma paixão com tons vermelhos como os tais morangos.
Cenário check. Banho check. Gelo,espumante e Eles, os morangos doces. Como deve ser o amor em seu primeiro ato. Doce, mas não muito. Só o suficiente para ter vontade de repetir, repetir, repetir…
Será que me atrevo? Inicio os trabalhos? Acho chique mulher que abre sozinha o espumante – mentira! Na verdade eu estou louca de vontade de ver minha flutê cheia de bolhinhas, que são mais eficazes que Rivotril! Isso sim, é verdade. Mas, e o cenário? Não, vou esperar, fazer “a recatada”.
Mais uma música e Ele já chega. Coisa de tempo. Espera.
Um pouco sobre espera. Uma mulher não espera simplesmente. Ela projeta, vive cada pequeno ato que compõe a preparação. As preliminares emocionais são as mais intensas e mais significativas, e geralmente influenciam diretamente as outras.
Desde o convite, as palavras certas, lidar com a insegurança, ainda que o “sim” ao convite seja de fato um pouco de frio na barriga. Faz parte. Não quer parecer chata.Não quer parecer fácil. Não quer parecer antiquada. Por pouco não quer ela mesma aparecer. Vai entender!
Depois o a bebida. O espumante é bebida para celebrações. E há celebração maior que o amor? Moço, um espumante por favor! Para acompanhar, Eles, os morangos, claro. Quem nunca assistiu Uma linda mulher? Richard Guuer sabia das coisas. Bem que podia ser ele, hein? Afinal ele paga as contas dele e dela. Quem foi que inventou essa história de feminismo, de dividir conta? Manda o endereço por favor! Essa modernidade, as vezes cansa! Sem contar que nós, antes de preparar o cenário e etc. fazemos a preparação real! E isso é caro, e geralmente envolve processos dolorosos.
Ficar bonita dói. A Beyonce lançou uma música com o título A beleza Dói. Concordo. E você também que eu sei.
Enfim, a campainha! É praticamente Vivaldi! Nunca tinha reparado na minha campainha. Mas é Vivaldi, com certeza. Os passos apressados até a porta, o coração ainda mais apressado. É Ele. É o Deus Grego do interior; melhor, é um projeto inacabado, peça de colecionador. Já sei! Obra de arte. Sabe, obra de arte, horrível, mas a gente acha lindo! Então; Ele.
Abraço, aquele abraço gostoso, quentinho, um beijo de “oi”, e entre uma amenidade e outra; meu dia foi bom , o meu também. Mal sabe ele quanto tempo esse cenário todo me custou física e emocionalmente.Coisa mais linda é um homem abrindo um espumante com classe! Não foi o caso. Mas relevei.
Olha,temos morangos. Era meu trunfo! Aposto que ele nunca viu morangos tão lindos e doces. Lá estavam Eles, o morangos, vermelhos, lindos. Não tardou e o primeiro se foi. Não, não fui eu quem comeu. Ele comeu não só o primeiro, mas o maior morango! Comeu junto a educação, comeu junto a gentileza, comeu junto a classe. Comeu o romance, comeu.
E com isso me fez pensar no outro. Aquele que ainda habitava meu coração. Aquele que eu deixei, mas que nunca me deixou, aquele que abria a porta do carro. Aquele que me servia, com toda a classe do mundo taças de amor, de dedicação, de romance, de tudo o que eu no fundo sabia. Um Deus. Não era grego, mas me fazia rainha.
Benditos morangos. Fiquei tão agradecida que nunca mais comi morangos doces!
(*) Escritora
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