J. B. Pontes (*)
É certo que precisamos lutar contra a corrupção em todas as suas formas. Mas defendemos que, no Estado Democrático de Direito, tudo deve ser feito nos limites da legalidade. Assim, apesar dos resultados alcançados pela operação lava jato, não se pode deixar de registrar os desvios que foram cometidos para obtê-los. Temos a convicção que resultados similares poderiam ter sido obtidos agindo-se dentro dos limites da lei.
Sabe-se que a persecução penal é a ação que mais exige cuidados dos agentes públicos que a executam, uma vez que ela interfere num direito fundamental aos seres humanos: a liberdade. Por isso, o processo penal brasileiro adota um processo que se aproxima do sistema acusatório, caracterizado pela separação das funções de investigação, acusação, julgamento e defesa. O sistema contrário, abandonado desde longo tempo pelos países democráticos, é o inquisitorial, onde todas as funções são unificadas na figura do juiz.
O sistema acusatório, em tese, permitiria um processo mais imparcial e democrático, visto que submetido ao princípio básico do checks and balances: as ações e conclusões dos agentes que executam cada uma dessas funções deve ser examinada e validada por aqueles que exercem as seguintes. Isto é, o relato da investigação feito pela Polícia Judiciária é examinado pelo Ministério Público, com vistas a identificar e corrigir eventuais excessos ou abusos, assim como o libelo acusatório formulado pelo MP é analisado pelo juiz, que deve ainda verificar a legalidade de todo o processo. Esse sistema, associado à indispensável função de defesa, permitiria o contraditório, essencial a um processo democrático que respeita os direitos dos cidadãos e não somente atende os interesses do Estado punidor.
É preciso que todos saibam que, desde o momento em que as funções de investigar e acusar foram concentrados na força-tarefa da lava jato, os trabalhos dela passaram a correr o risco de afastar-se do princípio da neutralidade. E, o que é mais grave, estabeleceu-se um conluio entre essa força-tarefa e o julgador, fato que, na prática, unificou as funções de investigação, acusação e julgamento. O processo aproximou-se, assim, do sistema inquisitorial, o que exigiria muita humildade e imparcialidade dos agentes responsáveis pela sua condução para que a verdade real fosse alcançada. E isso seguramente não ocorreu.
Ademais, impossível deixar sem registro a forma parcial e partidária como foram conduzidos as investigações e os julgamentos no âmbito da operação lava jato. Todas as evidências apontam que, desde o início, o principal objetivo da operação foi o de retirar o Partido dos Trabalhadores do poder e impedir a volta do ex-presidente Lula à presidência. Nessas circunstâncias, pode-se afirmar, sem grande possibilidade de erro que, ab initio, a culpa do ex-presidente já estava definida. Algumas atitudes, até mesmo ilegais, praticadas por alguns agentes públicos envolvidos na operação, não deixam dúvidas de que agiram com interesses pessoais.
Passaram todos a trabalhar juntos – investigadores e julgadores -, com vistas a alcançar um mesmo objetivo previamente definido. Os indícios mostram que o trabalho da operação passou a ser orientado não para a procura da verdade real, mas sim, para buscar elementos comprovadores da tese de culpabilidade já fixada. E, quando isso ocorre, todo o processo fica comprometido, uma vez que a investigação se afasta da neutralidade e passa a procurar fatos legitimadores das hipóteses previamente formuladas. A busca da verdade real é abandonada e, quase sempre, narrativas autovalidadoras da hipótese inicial passam a ser criadas.
Como era previsível, a excessiva concentração de poder em um único órgão ou grupo se transforma em elemento gerador de instabilidade política e de choques institucionais, pois ela acaba por se constituir numa superestrutura acoplada ao Estado, que pensa que tudo pode. Exemplo marcante foi o que ocorreu recentemente, quando a equipe da lava jato tentou criar uma fundação privada com dinheiro público, a qual seria por ela gerida. Confrontada, a equipe passou a desenvolver comportamentos antidemocráticos, na tentativa de provocar o clamor popular, numa atitude que contribui para o avanço do fascismo no nosso País.
(*) Consultor legislativo aposentado do Senado Federal e advogado