Carnaval em Pernambuco é o bicho. No mar tem tubarão, nas barracas de praia e nos restaurantes tem camarão, e por todo o canto tem o Aedes Aegypti. O povo daqui tem mais medo do mosquito do que do diabo. Afinal, ele é o vetor de transmissão das três pragas que afetam o Brasil na atualidade: a chicungunya, a dengue e o Zika vírus – este propagador da microcefalia.
A maioria dos turistas se assusta com os possíveis ataques de tubarões. Embora o mar seja lindo e as águas morninhas, todo mundo fica perto da margem, sob o alerta de dezenas de placas avisando da possível presença do gigante dos oceanos de boca cheia de dentes sempre prontos a arrancar um pedaço do corpo de quem ousar invadir seu território.
Eu, particularmente, passei a ter como maior inimigo o pequeno e aparentemente inofensivo camarão. Recentemente, descobri-me alérgico ao crustáceo. Poucos dias antes de vir para cá, arrisquei roubar uma beirada do prato de um amigo com quem almoçava. Quase morri. Cheguei ao Hospital Santa Lúcia às carreiras, com coceira por todo o corpo e a glote começando a fechar. Depois do tratamento emergencial, com aplicações venosas e via oral, sobrevivi. Como se diz no Ceará, melhor escapar fedendo do que morrer cheirando.
Cheguei em casa tranquilo, e, orientado pelo doutor Carlos Porfirio Pereira da Silva, decidido a nunca mais me aproximar daquela iguaria maravilhosa e inigualável, a qual aprecio há tantos anos.
Eis que venho passar o carnaval em Recife. Cercado de camarão por todos os lados, deixei meus companheiros de viagem – Tatiana, Gabriel e Júlio (mulher e filhos) – de sobreaviso: se perceberem a presença ou mesmo o cheiro, me avisem – vou correr léguas pra longe dele.
Mas o bichinho é traiçoeiro e sorrateiro. Disfarçadamente, ele veio parar em algum prato preparado numa cozinha qualquer. Provavelmente no óleo de uma fritura de batata ou mandioca (aqui chamada macaxeira).
E eis que, após me esbaldar nas ladeiras de Olinda, vi frustrada minha programação de assistir a abertura do carnaval no Marco Zero, com Lenine, Oto, Elba Ramalho, Chico César e outros bambambãs.
Baixei ao Real Hospital Português de Beneficência. Antes de buscar o socorro, ainda no hotel, passei pra dentro três comprimidos da receita que trouxe de Brasília. Isto evitou que sentisse a angústia da dificuldade de respirar do momento em fui atendido pelo dr. Carlos Porfirio.
Liberado pela atenciosa Dra Simone Martins Garcia Dantas Vaz, eu e Tatiana retornamos ao hotel. Júlio e Gabriel me confirmaram pelo WhatsApp que a festa no Marco Zero, como esperávamos, foi \”o bicho\”.
Então, pra compensar, acordei às 6 da manhã e combinei com Tatiana: às 9 estaremos no Galinho da Madrugada, que sai às 8. Tenho certeza que a imponente ave de 27 metros de altura, 6 toneladas de peso e com apenas dois dentes postiços e seus dois milhões de seguidores será muito menos perigosa do que um aparentemente inocente camarão abatido, frito, guisado ou ao molho num prato desta bela cidade do Recife.