Os ponteiros da História se ajustam. Sessenta e três anos após ser criada pelo presidente Getúlio Vargas sob o nacionalismo do slogan “O petróleo é nosso”, a Petrobras está no centro do maior escândalo de corrupção do Brasil, investigada pela operação Lava Jato. Dez anos antes, em 1943, Vargas implantou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
O pacote que norteou as relações trabalhistas no País nestas sete décadas passa agora por uma profunda revisão. O governo e os grandes capitalistas alegam que ela precisa ser modernizada. Mas os trabalhadores e os sindicatos se mobilizam para manter as conquistas alcançadas a partir da vigência da CLT. No meio do fogo cruzado estão 12 milhões de desempregados esperando uma oportunidade.
Mas outros acontecimentos recentes remontam à era Vargas. Um deles foi a prisão, no último dia 21 de outubro, do chefe da Polícia Legislativa do Senado, Pedro Ricardo Araújo Carvalho. A ordem do Juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal do Distrito Federal, contra o homem de confiança do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) lembra, em muito, o episódio da prisão de Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal de Getúlio Vargas.
O “Anjo Negro”, como era chamado Gregório, foi acusado de ser o mandante do “Atentado da Rua Tonelero”, no Rio de Janeiro, em 5 de agosto de 1954. Foi uma tentativa de assassinar o jornalista Carlos Lacerda, ferrenho opositor do presidente da República. Lacerda saiu ferido, mas o major da Aeronáutica Rubens Florentino Vaz, que o acompanhava, morreu baleado.
Pedro Ricardo foi preso suspeito de prestar serviços de contrainteligência a senadores e a amigos de Renan Calheiros que estão sendo investigados na Lava Jato. O antagonista do presidente do Senado não é um jornalista, mas um juiz. Renan quer aprovar a lei contra “abuso de poder”, que limitaria as ações do Poder Judiciário. Moro trabalha para aprovar uma legislação anticorrupção ainda mais rigoroso do que a atual.
A prisão de Pedro Ricardo e de outros “policiais legislativos” parece ter desestabilizado Renan. O sempre ponderado presidente do Congresso chegou a chamar o juiz que autorizou a operação de “juizeco”. E atraiu toda a fúria corporativa do Judiciário, a começar pela presidente do Supremo, Carmen Lúcia. Similar a 1954, esse episódio agrava o velado conflito entre os poderes e a crise política e econômica.
Michel Temer ainda dá seus passos iniciais na presidência da República e precisa do apoio de Renan que,entretanto, está sob pressão e sendo investigado. Ele teme a delação do ex-todo-poderoso presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), principal artífice das manobras que apearam Dilma Rousseff do Palácio do Planalto, abrindo espaço para sua sucessão.
Coincidentemente, no final de seu segundo governo, Getúlio era acusado de corrupção e sofria pressões de grupos oposicionistas, civis e militares, que desencadearam uma aguda crise política. Num clima de protestos e críticas, Vargas pediu afastamento por licença, mas o Exército não aceitou e exigiu sua renúncia. Em tempos de internet, a renúncia de Renan é pedida pelas redes sociais.
Na época do atentado contra Lacerda a polícia fez busca e apreensão na casa de Fotunato e encontrou anotações e documentos relativos a bens, cujos valores seriam incompatíveis com seus rendimentos. Dentre eles estava a compra de duas propriedades do filho mais novo de Getúlio. Toda a história veio a público e o presidente inicialmente não acreditou no envolvimento da família. Depois, ficou profundamente abalado e tirou a própria vida com um tiro no peito, em 24 de agosto de 1954.
Gregório foi condenado a 25 anos, como mandante do crime. Morreu em 1962, assassinado por outro detento, crime considerado queima de arquivo, pois durante o tempo na prisão o “Anjo Negro” fazia anotações em um caderno. E este foi o único bem de sua propriedade que desapareceu.
Em entrevista a Geneton Mores Neto, o também jornalista Evandro Carlos de Andrade disse: “Pude acompanhar o fim do segundo governo de Getúlio. Participei da cobertura da crise provocada pelo atentado na Rua Tonelero. Nunca tive dúvida sobre a natureza do atentado: tinha sido forjado no Palácio do Catete por Gregório Fortunato, o chefe da guarda pessoal de Getúlio”.
Renan, assim como Getúlio, está acuado. É esperar para ver como vai fazer o próprio ajuste com os ponteiros da História.
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