A posse do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, mais afeito a agendas internacionais, trouxe de volta a Brasília uma movimentação que há muito não se via. A vinda de autoridades internacionais, presidentes, chanceleres se multiplicou. Só o presidente da Argentina, Alberto Fernández, esteve aqui quatro vezes.
A capital também recebeu o Chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, o 1º ministro da Holanda, Mark Rutte, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o chanceler da Rússia, Sergei Lavrov, entre outros. Isso sem contar com a realização de cúpulas, como a dos países da América do Sul, que reuniu líderes de 12 países, e a do Fórum São Paulo, com previsão para 22 delegações.
Todos esses eventos agitam a economia local, movimentam hotéis e restaurantes. Mas estarão os agentes de turismo privados e públicos de Brasília aproveitando como deveriam essas oportunidades? Atrás de cada autoridade existe um séquito. Alguns desses agentes chegam antes, para preparar o solo. A entourage envolve ainda imprensa, observadores e empresários.
No início do ano, a foto do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, a nadar no Lago Paranoá, numa tranquila manhã de sábado, correu o mundo. O Paranoá também atraiu o assessor especial para o clima do governo dos EUA, John Kerry, que além de visitar a Catedral foi saborear caipirinha num cube de Wind surf.
Atividades como essas, bem documentadas e divulgadas, fomentam a construção de uma imagem diferenciada da cidade, que vai além das criações de Niemeyer. “Uma foto dessas circulando pela imprensa da Europa, dos EUA, passa a mensagem de que Brasília é segura, sustentável. Uma cidade que possui uma diversidade de possibilidades de vivências”, analisa Claudia Maldonado Lopes, do Brasília Convention Bureau.
Para o ex-superintendente do Sebrae-DF, Valdir Oliveira, toda exposição da capital lá fora é impactante para o nosso turismo. “Brasília pode ser a porta de entrada de um turismo internacional que deve ser aproveitada para ampliar os dias de permanência desses estrangeiros, aquecendo a ampliando a cadeia produtiva do turismo brasiliense”, explica ele.
Americanos e portugueses são maioria
As entradas regulares de turistas estrangeiros apresentam indicadores tímidos. Em 2022, 407.067 passageiros em voos internacionais passaram pelo aeroporto JK. Desse total, apenas 2,28% (9.281 pessoas) eram estrangeiras, e 1/3 (3.338) eram norte-americanos. Os portugueses, que possuem voos ligando Lisboa a Brasília, formam o segundo contingente (1.384 pessoas). Números muito inexpressivos para uma cidade que opera mais de 300 voos internacionais por mês.
Um turista estrangeiro gasta em média de US$ 500 a US$ 700 dólares por dia, cinco vezes mais do que um brasileiro, informa Luís Otávio Neves, presidente do SindEventos. Cada hospedagem num hotel gera três empregos formais. Assim, essas pessoas movimentam a economia. “Esse turismo, que chamamos de técnico, roda melhor a economia, pois as pessoas já vêm com suas despesas pagas e o orçamento pessoal foca lazer, cultura, compras”, comenta Claudia Lopes.
Instada a se posicionar sobre esse potencial turístico, a Secretaria de Turismo do DF demonstrou focar mais na recepção de grandes eventos, como os shows internacionais com grandes nomes da música, eventos esportivos, como a Liga das Nações, em cartaz no Ginásio Nilson Nelson, do que na agenda internacional do governo federal.
Cidade despreparada
“O turismo internacional exige um preparo da cidade e dos empreendedores para que se torne uma oportunidade de negócios. Se um restaurante recebe um turista estrangeiro, mas não tem a opção de um cardápio em inglês, perderá a oportunidade de um melhor consumo, por exemplo”, alerta Valdir Oliveira, para quem Brasília não está preparada para ser um polo atrativo de turistas estrangeiros.
A Setur afirma sempre divulgar Brasília para o mundo, atraindo visitantes. “Independentemente do esforço do trade turístico, que é muito ativo na busca por esse preparo, a cidade não evoluiu na estrutura necessária para receber e atender o turismo internacional. Não adianta vender o destino se ele não dispõe de um bom receptivo. É como se convidássemos para nossa casa nossos amigos, mas não tivéssemos condições de recebê-los, de sequer saber se comunicar com eles”.
Qualificação profissional – A Setur-DF informa que vai destinar R$ 10 milhões para qualificação profissional, o Qualifica Tour, para a suprir a carência de mão de obra. Outra necessidade, segundo os especialistas é mostrar uma cidade além da Esplanada dos Ministérios e das obras de Niemeyer.
“A cidade tem uma economia criativa. Nosso artesanato é peculiar. O turista pode levar não apenas uma peça de boa qualidade, mas levar uma marca da cidade, como o ipê, as tesourinhas, a caixa d’água da Ceilândia, o relógio da praça de Taguatinga.
“Historicamente, o DF não tem uma tradição de política de turismo. Faltam ações técnicas. É preciso ter uma política que fomente a demanda. Estamos num momento ímpar, uma oportunidade de Brasília se recolocar no cenário do turismo”, conclui Cláudia Maldonado.