Orlando Pontes
O pacífico povoado de Olhos d’Água, distrito de Alexânia (GO), a 90 quilômetros de Brasília, está em pé de guerra. E a discórdia, paradoxalmente, é semeada pela Sagrada Igreja Católica. A desavença vem tomando corpo desde junho, quando o padre da Paróquia Santo Antônio, Cleyton Francisco Garcia, anunciou, durante a homilia de uma missa na igreja Imaculada Conceição, em Alexânia, que a tradicional Feira do Troca não poderia mais acontecer na praça central da cidade.
O pároco alega que o terreno pertence à Arquidiocese de Anápolis, e que o espaço seria utilizado para construção de estações da Via Sacra. Dias depois, Cleyton Garcia iniciou a obra.Parte do vasto gramado foi arrancada para dar lugar a uma calçada de bloquetes. Numa madrugada qualquer, sem que ninguém percebesse, o coreto da praça foi demolido. Finalmente, na segunda (26), a comunidade foi surpreendida, no início da manhã, por homens da Prefeitura, com máquinas e apoio da Polícia Militar e do tesoureiro da Paróquia, o Jeffferson, derrubando as árvores.
Diante dos protestos dos moradores contrários à derrubada, apoiadores do padre – entre eles a proprietária de uma pousada identificada apenas por Araci e o subprefeito Christian “Alemão” – apresentaram um laudo assinado pela bióloga Rosana Alves Barroso, funcionária da prefeitura municipal de Alexânia, apontando que as árvores estavam doentes. O argumento foi rebatido pelos defensores da preservação da natureza e do patrimônio histórico da cidade mostrando as raízes, a florada e os caules saudáveis. O “trabalho” foi interrompido temporariamente, enquanto uma comissão liderada pelo advogado João Barbosa se dirigia ao Ministério Público em busca de um mandado de segurança para embargar a solicitação do padre Cleyton, que se materializou graças à omissão do prefeito de Alexânia, Alysson Silva (PP).
ABANDONO – Diante de tamanho imbróglio, a 97a Feira do Troca, marcada para este sábado (2) e domingo (3), está ameaçada. A confraternização entre os moradores, que há 49 anos ocorre às vésperas do evento, deu lugar a um clima de confronto entre a minoria católica que defende a decisão da Igreja – grande parte dos fiéis discorda do padre – e os segmentos sociais formados por comerciantes, donos de pousadas, artistas e artesãos e até turistas que costumam visitar a cidade para participar da festa. Antes da derrubada das árvores, a subprefeitura vinha negligenciando a limpeza e manutenção da praça. Moradores acreditam que ele seguia orientação do prefeito Alysson Silva, a pedido do padre Cleyton. O mato alto e o lixo espalhado pela grama chamavam a atenção negativamente.
Comunidade está de luto – Como a praça, de fato, não será liberada, o Troca ocorrerá em ruas paralelas, sem qualquer infraestrutura e no asfalto esburacado, malcuidado pela prefeitura. Os moradores, que vêm procurando ajuda de órgãos como o Instituto Histórico e Artístico Nacional (Iphan), vão fazer um protesto usando roupas pretas em sinal de luto. E prometem ocupar, pacificamente, a Praça Santo Antônio.
Existe, porém, um temor de uso da violência por parte de aliados da Igreja e das forças de segurança municipais. O padre Cleyton já comunicou que pedirá reforço às polícias Civil e Militar para impedir o acesso à área que ele insiste em dizer que pertence à Igreja e, que a população entende como um espaço público. O prefeito Alysson Lima, como sempre, não se manifesta, embora as ações de seus subordinados apontem para um descaso e desrespeito às tradições mundanas do povoado. Enquanto isso, em nome de umaFé cega e egoísta, o padre Cleyton segue derrubando a história e a boa convivência da pequena comunidade com sua faca amolada. Sem “Deixar a sua luz brilhar e ser muito tranqui- lo / Deixar o seu amor crescer e ser muito tranquilo / Brilhar, brilhar, acontecer, brilhar, faca amolada / Irmão, irmã, irmã, irmão de fé, faca amolada”, como pedem os versos da música de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos.
Saiba+
A Feira do Troca acontece há 49 anos, na Praça Santo Antônio. Após a 96a edição, em junho, o padre Cleyton anunciou, durante uma missa na Paróquia Imaculada Conceição, em Alexânia, que construiria, no gramado onde ocorre a concentração, “estações da Via Sacra”, restringindo o acesso de transeuntes.