A inauguração de Brasília foi a realização de um projeto de interiorização do Brasil e, porque não dizer, de um sonho futurista: uma cidade planejada, moderna, mais justa e com um sistema público de saúde que daria assistência do presidente da República ao mais humilde cidadão daquela comunidade prevista em 500 mil habitantes.
No resto do País, até 1988, quando foi promulgada a atual Constituição Federal, o sistema público de saúde era baseado no seguro social, financiado pelo aporte de empresas e trabalhadores e só os que tinham Carteira de Trabalho assinada e seus familiares tinham acesso ao Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social, o Inamps.
Ao restante da população a assistência vinha, quando havia, de instituições beneficentes, como as santas casas de misericórdia – era muito gasto, faltava organização e a saúde pública era ineficiente.
Aqui, desde 1960, a coisa foi diferente. O Plano Diretor de Saúde elaborado pelo médico Henrique Bandeira de Mello era arrojado e antecipou em 18 anos o que veio a ser tratado na Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde em Alma-Ata, no Cazaquistão, em 1978.
A Declaração de Alma-Ata afirma que que
“a saúde – estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade – é um direito humano fundamental, e que a consecução do mais alto nível possível de saúde é a mais importante meta social mundial, cuja realização requer a ação de muitos outros setores sociais e econômicos, além do setor da saúde”.
Parte desse conceito foi incorporado à Constituição de 1988, quando foi criado o SUS.
Pelo Plano Bandeira de Mello, subordinada à Secretaria de Estado de Saúde, a Fundação Hospitalar do DF era integrada por estruturas hospitalares de diferentes níveis de complexidade e uma rede de serviços básicos espalhada pelo território, em todas as comunidades, para dar assistência à população – perto de casa.
Uma das vantagens do sistema concebido por Bandeira de Mello era, além de universalizar, concentrar a assistência à saúde da população sob o comando da FHDF, para reduzir custos, dar unidade à orientação das políticas e aumentar a eficiência dos serviços públicos de saúde.
Hoje em dia estão fazendo o contrário: criaram uma estrutura paralela à Secretaria de Saúde (o IGES-DF) para administrar parte da estrutura pública. O gasto aumentou e não melhorou a assistência oferecida aos usuários do SUS.
Além desse erro (que considero uma decisão política das mais equivocadas da história de Brasília), a estrutura da rede pública de saúde não acompanhou o crescimento da população, muito menos a do Entorno do DF. A partir daí, tudo aquilo que era tão bom lá no início, começou a descarrilar, e hoje vemos uma estrutura insuficiente e sucateada para atender todas as necessidades do povo brasiliense – ou dos 70% da população que não podem pagar plano de saúde.
Mas não me refiro ao passado por saudosismo. O objetivo aqui é olhar para trás, para aquilo que foi tão bem pensado e executado, e destacar os princípios básicos para ter dado certo: houve planejamento, unidade de comando, foco na gestão e compromisso com a população, ao oferecer unidades assistenciais perto de casa e com profissionais suficientes para cuidar de toda a população.
Se voltarmos a seguir esses princípios do Plano Bandeira de Mello, teremos novamente uma Brasília com uma melhor assistência ao seu povo e novamente orgulhosa de seu sistema público de saúde. A História nos ensina, cabe a nós avaliar os fatos, reconhecer os erros e retomar aquilo que já foi demonstrado que dá certo.