Márcia Turcato
As obras do artista Athos Bulcão serão expostas ao público pela primeira vez depois do vandalismo antidemocrático ocorrido em Brasília no dia oito de janeiro, quando obras de arte foram atacadas por fascistas. O muro escultórico de Bulcão foi seriamente danificado.
Referência internacional, além de um ícone para quem vive em Brasília, o trabalho de Athos Bulcão será exibido pela primeira vez em Porto Alegre, de 29 de março a 25 de junho. O trabalho do artista experimentou o desenho, pintura, painéis, alegorias carnavalescas, vestimentas e até indumentárias litúrgicas.
Sua grande marca foi a estratégia de integrar ambientes arquitetônicos utilizando recursos artísticos, como mostra o muro escultórico do Congresso Nacional e também do Hospital Sarah Kubitschek, onde Athos Bulcão faleceu aos 90 anos, vítima do Mal de Parkinson, em 2008.
100 anos – A exposição na capital gaúcha também celebra os 100 anos de Athos, completados em 2018. O muro escultórico, que foi retirado da Câmara dos Deputados para restauração depois de vandalizado, voltou recentemente ao Salão Verde.
A obra fica posicionada ao lado da entrada do plenário da Casa e durante a invasão foi amassada e sofreu danos na parte de baixo, por causa do alagamento do salão. O painel, em madeira, foi projetado nos anos 1970 a pedido do arquiteto Oscar Niemeyer, autor do projeto do Congresso.
Além desse painel, outras duas obras de Athos Bulcão, menores, que também estavam no Congresso foram danificadas nos atos antidemocráticos.
Espaço Cultural do Farol Santander
Athos Bulcão tem 15 trabalhos nos prédios do Palácio e do Congresso. Além do muro escultórico, foram danificadas as seguintes obras:
Painel Vermelho (1978), no Salão Nobre do Congresso Nacional; feito em madeira laqueada com tinta vermelha; Muro Escultórico (1989), que forma uma parede divisória no Salão Verde da Câmara, por trás da qual está a galeria de fotos dos ex-presidentes da Câmara; Painel de Azulejos (1971) em branco e azul, em um jardim interno, que se estende por todo o hall do Salão Verde.
A exposição em Porto Alegre será no espaço cultural do Farol Santander e faz um recorte da fabulosa e extensa obra do artista. Mais de 160 peças poderão ser visitadas no mezanino do prédio e na área externa, permitindo uma ampla experiência para o público.
As obras mostram aspectos de religiosidade, pintura e desenho figurativo, vestimentas sacras e de trabalho cotidiano, pinturas, montagens fotográficas, máscaras e objetos diversos do período de 1940 a 2000.
Três instalações de azulejos do artista, que podem ser organizadas e montadas pelos visitantes, ficarão em uma das salas do mezanino, e permitem que o público tenha a experiência de criar sua própria obra de arte.
Na área externa, dois cubos com fachadas de azulejos de diferentes cidades do Brasil e do exterior, chamam o público para conhecer o trabalho de Athos no interior do centro cultural. Como dizia o próprio artista, “a arte existe para impactar, para provocar as pessoas”.
Inventário
O legado do artista está organizado na Fundação Athos Bulcão, em Brasília, presidido por Valéria Cabral, e é quase um inventário de sua obra, aí incluídas as criações de ateliê – desenho, pintura, gravura, fotomontagem, objetos, o trabalho gráfico em jornais, revistas, livros, discos, e as peças em design de produto.
Criador multimídia, Athos se destacou em seu diálogo direto com a arquitetura, mas sua obra vai muito além disto. Nascido no bairro carioca do Catete, em 1918, ele seguiu o roteiro obrigatório daquela época para jovens ricos ou da classe média de estudar Medicina ou Direito.
No seu caso, ficou com a primeira opção, mas abandonou o curso em 1939 para se dedicar à arte e foi estudar em Paris, onde viveu até 1949. No retorno ao Brasil, trabalhou como ilustrador e artista gráfico no Ministério da Educação, e mais tarde passou a colaborar em projetos do arquiteto Oscar Niemeyer, com quem fez parceria nas obras de construção de Brasília, e também com o premiado arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé.
Saiba +
A curadoria da exposição Athos Bulcão é de Marília Panitz, professora da UnB, e André Severo, artista plástico gaúcho. A produção é da brasiliense Daiana Castilho Dias, presidenta do IPAC (Instituto de Pesquisa e Promoção à Arte e Cultura), com sede em Brasília.