No mundo inteiro, a formação em Medicina é pautada na aplicação prática do conhecimento, desde os primeiros semestres nas universidades. Esse é um processo que se prolonga por toda a vida do médico, que se tornará um profissional obsoleto caso deixe de se atualizar. Isso inclui atualização teórica, aprendizado de novas técnicas e incorporação de novas tecnologias, que dependem de participação em cursos, congressos e eventos técnicos e de muita leitura. Por último e não menos importante, depende da rotina de vivência plena da atividade médica.
No Brasil, quem melhor propicia essa última condição aos médicos são o Sistema Único de Saúde, nosso tão maltratado SUS, e a rede de hospitais universitários do país. São raras as instituições privadas de saúde que oferecem as condições para o pleno desenvolvimento do profissional da Medicina no País. E não há investimento em tecnologia que suprima a necessidade de boa qualidade dos profissionais que executam os procedimentos médicos.
É no SUS que se realiza a maioria dos programas de residência médica e é nele que a grande maioria dos profissionais adquirem a expertise na sua especialidade. E esse também é um foco da preocupação das entidades médicas diante dos rumos das políticas públicas de saúde adotadas pelos governos federal, estaduais e municipais.
Um dos pontos de preocupação é o sucateamento das unidades públicas de saúde. A falta de leitos, de equipamentos e materiais que impedem a realização dos procedimentos dos quais os pacientes precisam, impedem também que os médicos residentes participem das atividades supervisionadas em quantidade adequada para serem bons especialistas.
Quem se voluntaria para uma cirurgia cardíaca com alguém que mal pode acompanhar a realização desse procedimento durante sua especialização?
A política de precarização das relações de trabalho, com criação de institutos e gestão das unidades públicas de saúde por organizações privadas (sejam empresas privadas ou do terceiro setor) é outro fator que tende a afetar a qualidade dos profissionais. Segundo estimativa apresentada em estudo da Universidade Federal do Espírito Santo, médicos contratados em regime celetista por Organizações Sociais não costumam passar mais do que cinco anos no emprego. Em geral, esses contratantes não oferecem um plano de carreira, cargos e salários.
Mais um fator que traz preocupação sobre a qualidade da assistência médica que será oferecida no futuro, a começar de agora, é o incentivo à não especialização. A contratação de recém-formados, sem especialização, como médicos de família e comunidade e emergencistas para atuar como “pau para toda obra” pode resolver um problema de estatística de atendimento, mas não é a melhor opção quando se pensa em resolutividade da assistência prestada. Não é difícil imaginar que essa prática pode levar a um aumento da judicialização na área da saúde.
O bom funcionamento do SUS é, como se vê, não só a garantia de acesso à assistência em saúde para a grande maioria da população brasileira, mas também a de que continuaremos tendo profissionais com a alta capacitação – o que interessa também à fatia mais rica da população. Mais uma vez se demonstra que o SUS é uma das maiores realizações da democracia no Brasil.