A regulamentação das relações de trabalho surgiu em decorrência das mudanças ocorridas na sequência da Revolução Francesa e da Revolução Industrial. E essa pactuação está tanto na origem do liberalismo quanto na organização do Estado moderno. Foi uma surpresa extremamente negativa, em 2013, o governo brasileiro lançar o Programa Mais Médicos, no qual a relação de trabalho era qualificada como “formação em serviço” e “intercâmbio”, no caso dos estrangeiros. A remuneração não era salário, era bolsa.
Nesse sentido, a sanção presidencial à lei que cria o Programa Médicos pelo Brasil foi a correção de uma situação que, guardadas as proporções, reproduzia em pelo século XXI a condição dos aprendizes nas corporações de artes e ofícios da Idade Média. Em época de desregulamentação generalizada e de flexibilização das relações de trabalho, esse fato ganha ainda maior relevância e não só para a comunidade médica.
Tão importante quanto a sanção à lei que criou o Médicos pelo Brasil foi o veto presidencial à participação de instituições de ensino superior na revalidação de diplomas de Medicina obtidos no exterior, o Revalida. Não simplesmente porque isso atende a um desejo da comunidade médica brasileira, mas porque é uma questão de saúde pública.
A qualidade da formação dos profissionais da Medicina é objeto de preocupação das entidades médicas não só quando se refere a quem se formou fora do país. A avaliação dos cursos de Medicina oferecidos pelas instituições brasileiras também é uma necessidade premente.
O que se espera, agora, é que o veto presidencial seja mantido pelo Congresso Nacional e que seja indicativo suficiente para o Ministério da Educação rever posicionamentos como a pretensão de suspender a moratória na abertura dos cursos de Medicina no Brasil. Hoje os temos em maior quantidade do que os Estados Unidos e a China, países com população maior que a do Brasil. O MEC sequer tem o controle das vagas oferecidas pelas instituições, muitas das quais não têm as condições de ensino e treinamento em serviço necessárias.
O fato é que saturar o mercado com profissionais sem atentar para a qualidade do serviço que essas pessoas têm condição de oferecer aos pacientes não resolve os problemas estruturais que desfavorecem o assentamento de médicos nas localidades desassistidas. Torna-se um problema ao se abrir a perspectiva de oferta de assistência de pior qualidade à população e elevação de custos tanto para o Estado quanto para o sistema de saúde suplementar, pois além de mais propenso a erro, o profissional mal formado é mais dependente de exames e tecnologias que elevam os custos da assistência à saúde.