Fátima Sousa (*)
A política moderna não deveria ser mais exercida de forma despótica, à base de força bruta. Norberto Bobbio e outros afirmam: “Embora a possibilidade de recorrer à força seja o elemento que distingue o poder político das outras formas de poder (econômico e ideológico), isso não significa que ele se resolva no uso da força”.
A política não deve ser conduzida ameaçando, prendendo, torturando ou matando adversários, em suas várias formas de ataques e violências.
O objetivo da política, ensina Aristóteles, é promover o bem-estar e a felicidade dos cidadãos, o que ele chama de “vida boa”.
O filósofo nos ensinou que a política deve criar condições para que as pessoas possam viver plena e virtuosamente, desenvolvendo suas potencialidades para uma existência harmoniosa na comunidade. Ele via a política como um meio para o bem comum, em vez de ser ferramenta para o poder pessoal ou despotismo.
Um tema dos mais discutidos no atual contexto político é a verdade. Em “A vida de Galileu”, Bertolt Brecht escreveu que “aquele que não conhece a verdade é simplesmente um ignorante, mas aquele que a conhece e diz que é mentira, este é um criminoso”.
A citação aplica-se à situação política atual no Brasil e no mundo, em que mentiras são repetidas como verdades e verdades são ocultadas para beneficiar interesses. O poder destrutivo das inverdades traz danos irreparáveis, não apenas às pessoas por elas atingidas, mas aos seus círculos familiar e pessoal.
Exemplos não faltam, mas destacam-se os prejuízos causados às políticas públicas de saúde, cuja cobertura vacinal sofreu queda nunca vista antes no País, a qual podemos atribuir aos movimentos de negação da ciência.
A verdade, embora às vezes demore para emergir, sempre vem à tona. Contudo, as sequelas causadas pelas mentiras deixam marcas profundas e duradouras. Portanto, é fundamental que uma política séria se oriente pela busca da verdade e diálogo, promovendo um ambiente de convivência pacífica, integradora e bem-estar coletivo.
O psicólogo Dan Ariely nos alerta: “O ódio não permite conversas”. Apenas a hipocrisia justificaria a verdade manipulada, e a esta chamamos de mentira, desinformação ou fake news, substantivos que não cabem em nosso vocabulário ou práticas cotidianas.
A hipocrisia age como um véu que oculta as reais intenções e falhas dos que se apresentam na arena como se agentes políticos fossem, enquanto eles projetam, falaciosamente, uma imagem de virtude e correção.
Esse comportamento, não apenas desvia a atenção dos verdadeiros problemas, mas mina a confiança pública nas instituições, nas pessoas e nos processos democráticos.
Na política, a ausência de verdade e a hipocrisia causam danos quando se recorre a mentiras ou dissimulações, comprometendo os princípios éticos, a integridade das decisões e a transparência das ações dos seus agentes.
Logo, a confiança entre os que integram uma comunidade é fundamental para o bom funcionamento das instituições. A disseminação de informações falsas e a duplicidade de comportamentos também criam ambientes de desconfiança e ceticismo, venenos ao tecido moral da sociedade.
A hipocrisia, em particular, é devastadora, quando pregados valores como ética e honestidade, mas as atitudes são contrárias, desencorajando a participação cidadã e enfraquecendo o engajamento.
Além disso, a hipocrisia resulta em injustiças, nas quais decisões são tomadas, não com base em evidências ou na equidade, mas para proteger interesses pessoais ou corporativistas, em vez de grupais.
A ausência de verdade e a hipocrisia também silenciam vozes críticas e limitam o debate aberto, essencial para a nossa natureza plural. Quando verdades são ocultadas e mentiras prevalecem, a capacidade de questionarmos, desafiarmos e buscarmos a verdade é comprometida.
Isso não apenas enfraquece a qualidade dos debates, mas impede o pensamento crítico, inovador, virtuoso e esperançoso. Juntas, a ausência de verdade e a hipocrisia, têm corroído os pilares da política séria e ética, prejudicando a confiança, a justiça e o debate.
Para que possamos reverter esse cenário, é necessário que a política seja conduzida com transparência, honestidade e coerência entre palavras e ações. Precisamos mudar o rumo dos ventos, por meio de uma cultura de integridade, transparência e verdade em todas as esferas da vida pública ou privada.
(*) Professora associada do Departamento de Saúde Coletiva e ex-diretora da Faculdade de Ciências da Saúde da UnB