Esta semana, o mundo presenciou o encerramento dos 32º jogos olímpicos da era moderna. Um momento ímpar o evento da superação, da inclusão e da diversidade. Um mundo tentando trilhar novos atalhos, ainda durante a pandemia da covid-19. Onze mil atletas de 206 países estiveram confinados por 15 dias em busca de superação, metas, recordes e da tão desejada medalha.
Maculado por mais de 500 mil mortos, desemprego, inflação em alta, o Brasil saiu do evento com um recorde de medalhas em 12º lugar no quadro geral. Um feito para uma nação de tantas desigualdades. Há quem ouse pronunciar que estamos nos tornando uma potência olímpica. Entretanto, antes de atingir este nível, primeiro teremos que nos tornar um país desenvolvido.
Quando focamos objetivos no esporte de resultado, mais conhecido como de alto nível, segregamos não só pessoas, mas os benefícios que o esporte pode trazer à formação do ser e a uma sociedade em evolução. Em pouco mais de duas semanas, presenciamos números, resultados e altas performances. Dentre estes, Brasileiros inominados ganharam o cenário mundial: Rayssa, a Fadinha do Skate, encantou com sua astúcia; Ítalo silenciou Poseidon; Rebeca cumprimentou Deus ao saltar além nuvens. E assim seguiu a trupe brasileira.
Nosso desempenho foi singular, comparado a anos anteriores, até mesmo quanto aos últimos jogos, disputados no Brasil. Hino nacional, choro, Miratowa em uma das mãos e medalha na outra, tudo isso é consequência. Mas qual a origem deste progresso? Esporte de base, bons tutores, patrocínios e políticas públicas.
Todos esses atletas apareceram do esporte informal, isto é, praticaram uma atividade esportiva em tenra idade, seja na escola, em projetos ou em academias, mostraram capacidade. Depois, foram lapidados em suas habilidades até que passaram a ser expoentes e se consagraram.
É esse tipo de esporte que a sociedade deve apoiar, entender e desejar. O esporte baseado no desenvolvimento integral do ser, não só no seu aspecto físico, motor, mas também no ambiente cognitivo e afetivo. O esporte formação, onde se possa não só reproduzir movimentos, mas desenvolver o ser em sua essência, educando-o através do movimento.
Rememoro os meus tempos de judoca, esporte em que me graduei. Meu professor, Júlio Adnet, pioneiro de Brasília, sempre após os treinamentos nos reunia para uma partilha. Para um adolescente, aquilo parecia inócuo. Mas não. Primeiramente, tínhamos nossa instrução, ou seja, reproduzíamos movimentos. Depois, partíamos para a educação.
Foi ali que experimentei valores, estreitei vínculos, aprendi lições de vida, respeito, disciplina e principalmente a respeitar as diferenças. Apesar de ter um bom rendimento nos treinos, certa vez tive minha graduação condicionada ao meu rendimento escolar, o qual deixava a desejar. Isso me marcou.
Daquela turma, apenas um – Ezequiel Paraguassu – chegou ao triunfo de alçar uma vaga olímpica. E os demais, fracassaram? Com certeza, não. Tornaram-se homens – a turma só tinha pessoas deste gênero –, constituíram suas famílias, profissões, pagam suas contas. Ou seja, foram formados por meio do esporte.
Em visão macro, por meio de um profissional de educação física capacitado, o qual saiba contextualizar sua práxis, o esporte será mais atrativo, inclusivo e transformador. Passo além: teremos mais pessoas praticando atividade física e estas serão educadas holisticamente pelo movimento. Daí advirão menos crianças nas ruas, menos violência, uma população mais saudável, menos leitos de hospitais ocupados, diminuição dos gastos públicos. Uma sociedade mais evoluída.
Em uma segunda vertente, mediante este mesmo profissional, serão garimpados outros Isaquias, Anas, Maíras e Heberts, os quais, içados pelo apoio inindispensável do Estado, conseguirão conduzir suas carreiras como profissionais, sem necessitarem exercer atividades extras ao esporte, com acesso a moradia e aposentadoria especial.
Além das vítimas da pandemia, que já somam mais de 560 mil mortos, assimilamos 14,8 milhões de desempregados, 11 milhões de analfabetos e somos o país em que mais se morre de forma violenta do mundo, segundo dados da Small Arms Survey. Portanto, nossa população vive mal. Não somos um país desenvolvido, tampouco em desenvolvimento. E isto rechaça a hipótese de nos tornarmos uma potência olímpica.
Analisando a estrutura e o planejamento dos países nas primeiras colocações no quadro de medalhas, o enfoque é exatamente este: investiu-se na formação do cidadão através do esporte informal. Adiante, foi edificada uma sociedade justa e solidária e, em consequência desse trabalho de base, surgiram inúmeros campeões.
(*) Delegado-chefe da 6ª DP e Professor de Educação física