Era quase meia-noite, mas o sono não chegava. A exemplo do que já ocorrera em situações anteriores, recorri à escolha de livros nas minhas improvisadas estantes, de preferência algum de contexto leve que produzisse relaxamento, mesmo na base da releitura. De início, separei \”O Sermão da Montanha\”, interpretação de Huberto Rohden, que foi meu mestre espiritual, quando estudei no Seminário Presbiteriano, em São Paulo.
De repente, deparei-me com um montículo de exemplares de O Livro na Rua, que os reconheci porque participei da feitura gráfica em formato de bolso, a fim de serem distribuídos gratuitamente, por iniciativa de Victor Alegria, dono da Thesaurus Editora. Os exemplares traziam na contracapa uma nota bibliográfica com foto do autor radicado na cidade, muitos dos quais conhecidos poetas, como o mineiro João Carlos Taveira e o gaúcho José Santiago Naud, seguidos de outros escritores, como Fernando Py e Marly de Almeida.
No que se refere a Victor Alegria, ele sempre me fez lembrar de um notório personagem da Roma Antiga – Mecenas –, que se notabilizou como protetor e patrocinador de artistas e escritores, inclusive de Virgílio e Horácio, isto por volta dos 31 anos antes de Cristo.
Português nascido em Arouca, Victor esteve ficou vários anos pela ditadura salazarista, em companhia de outros intelectuais lusitanos, simplesmente porque eram livres-pensadores. Fugido, chegou ao Brasil em 1963, onde abriu a sua primeira bem-sucedida livraria em Brasília, na qual se reuniam escritores e estudantes, idem livres-pensadores. Pela mesma razão, também foi preso pela ditadura militar brasileira, sendo torturado em paus-de-arara para confessar o que não sabia.
Ao ser libertado anos depois, mesmo com o corpo afetado pelas torturas físicas, Alegria retornou à sua atividade de livreiro em Brasília e, com a ajuda de seu filho Victor Tagore, transformou a Editora Thesaurus numa das mais importantes empresas culturais do País, com mais de três mil títulos publicados. Hoje, aos 82 anos, não perdeu a ideia fixa de levar cultura ao povo brasileiro, patrocinando os Livros de Rua.
Mas, como semear cultura não rende dinheiro, o Cidadão Honorário de Brasília, Victor Alegria, corre o risco de pedir falência.
Eis porque o sonho do Mecenas brasiliense virou pesadelo!