Anna Ribeiro (*)
Dizem que o mar lava a alma. Eu mergulhei em alto mar e me lavei tanto que acredito estar em branco. Como uma página nova, uma folha em branco, sem pauta que me aperte entre uma linha e outra. Uma tela nua à espera das primeiras pinceladas de tinta. Um livro que ainda não foi escrito, um cubo de mármore suplicando que as formas ocultas venham à tona.
Estou em branco. Branca, pálida, instrumento ainda não tocado. Estou à espera da estreia. Em véspera, sou toda expectativa. Acho que se eu fosse um país, minha bandeira seria branca. A mensagem, aqui tudo é possível, até o nada. E tudo bem.
Muitas chaves novas e apenas uma fechadura para abrir o novo mundo. Acertei de primeira. Intuição? Presságio? Sorte? Não sei. Mas aquela cena ficou gravada na minha mente. Quando abria a porta, um espaço todo branco. Aquilo me deu uma sensação tão profunda de liberdade, de possibilidades!
Recomeço
Essa história aconteceu há tempos, quando me separei e aluguei um apartamento, obviamente branco. Tive esta mesma sensação de página em branco. A sensação não era de recomeço, mas de iniciar algo totalmente novo, do zero, do branco ao colorido, do silêncio à sinfonia.
Será que, no fundo, no fundo, é por isso que a maioria de nós passa o Réveillon de branco. Talvez não seja a paz o que de verdade buscamos, mas uma chance de escrever uma história diferente daquela vivida até então.
Sinais
Gosto de signos – não os da astronomia, mas signos como sinais, significados, símbolos. Branco é um signo forte. É transição, que se repete muitas vezes dentro da gente. A gente se rabisca, se pinta, se borra, às vezes de medo, mas a gente se lava muitas e muitas vezes.
Algumas telas que fomos, guardamos na nossa galeria interna. Outras deixamos pelo caminho. Tantas outras doamos, esquecemos. Mas sempre nos refazemos. Somos obra eternamente inacabada e pronta.
Dizem que o mar lava a alma. O que te lava? O que te leva?
(*) Escritora