Encarado por décadas como algo impuro, indigno, o ciclo menstrual e seus impactos na vida de quem precisa conviver com ele mensalmente vem, ainda que aos poucos, recebendo a devida atenção da sociedade e dos governos.
A iniciativa Dignidade Menstrual, do Ministério da Saúde, tem um amplo leque de atuação, que perpassa a facilitação do acesso à informação e aos produtos necessários, como absorventes.
Para o cidadão médio, dignidade menstrual parece algo trivial. Mas não é. No Brasil, os números são assustadores: uma em cada quatro meninas falta à escola durante a menstruação, o que traz prejuízos à sua aprendizagem, muitas vezes por não ter acesso a absorventes.
A falta de informação sobre o período menstrual e o que ele significa também é algo que preocupa as autoridades de saúde. Muitas meninas sequer sabem que o início do ciclo menstrual significa o processo de amadurecimento do sistema reprodutivo.
Falta de informação
Em pesquisas realizadas nas escolas, apenas 20% das alunas sentiam-se bem informadas na ocasião da primeira menstruação, que geralmente ocorre dos 10 aos 13 anos de idade.
Essa falta de informação, aliada aos preconceitos e à carência no acesso a itens de higiene pessoal, gera desconforto, constrangimento e até bullying, o que exclui as meninas de diversas atividades cotidianas.
A manicure Patrícia de Souza, moradora de Belo Horizonte, comenta a angústia e limitações que viveu na adolescência a cada ciclo que chegava. Como sua família não tinha condições de comprar absorventes, ela precisava usar pano para conter o fluxo menstrual.
“Com o pano, eu nem saía de casa. Tinha medo de vazar, de sair do lugar. Sempre faltava na escola. Quando pude começar a comprar absorvente, para mim foi como se fosse uma novidade. Eu me sentia muito mais segura”, contou.
Leis garantem acesso a absorventes
O assunto tem sido tratado em diversas esferas, desde iniciativas de organizações independentes, como o UNICEF, ou por intermédio de leis aprovadas e programas governamentais.
Minas Gerais e Paraíba são exemplos de unidades da Federação que aprovaram leis para garantir o acesso da população mais carente a absorventes.
Apesar disso, o Governo do Distrito Federal informou que irá ajuizar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a lei que instituiu a licença menstrual, aprovada pela Câmara Legislativa, que garante licença remunerada de até três dias para servidoras que sofram com dores intensas durante o período menstrual.
Na esfera federal, o governo regulamentou, em 2023, a lei que prevê a distribuição de absorventes a pessoas em situação de vulnerabilidade. Ao contrário de algumas legislações locais, a lei federal prevê o atendimento a mulheres cisgênero, a homens transgênero, a pessoas não binárias e a pessoas intersexo.
Ministério da Saúde faz campanha
Em fevereiro deste ano, o Ministério da Saúde lançou uma campanha para ampliar a divulgação do programa Dignidade Menstrual, que garante acesso gratuito a absorventes para quem mais precisa. A iniciativa visa acabar com as dificuldades trazidas pela pobreza menstrual, que podem ocasionar evasão escolar e desemprego.
O Dignidade Menstrual atende pessoas em situação de rua, em unidades do sistema prisional, inscritas no CadÚnico que tenham renda familiar mensal de até R$ 218 por pessoa, além de estudantes da rede pública, também inscritas no CadÚnico, com renda familiar mensal de até meio salário mínimo (R$ 706) por pessoa.
A população beneficiada pode retirar os absorventes em mais de 31 mil estabelecimentos credenciados pelo programa Farmácia Popular. Para obter o benefício, é preciso apresentar um documento de identificação com foto, CPF e uma autorização, emitida pelo aplicativo Meu SUS Digital. A aquisição para menores de 16 anos deve ser feita por responsável legal.
Cada pessoa terá direito a 40 unidades de absorventes higiênicos para utilizar durante dois ciclos menstruais, ou seja, a cada período de 56 dias. As orientações também estão disponíveis no Disque Saúde 136 e na cartilha “Programa Dignidade Menstrual – um ciclo de respeito”.
A necessidade da autorização do aplicativo Meu SUS, porém, tem sido alvo de críticas. “Como exigir que a pessoa tenha um celular para ter acesso? Quando não existe acessibilidade, é como se não se compreendesse a necessidade do outro”, questionou a coordenadora do coletivo Flores de Resistência, Simone Oliveira, que atua na distribuição de absorventes na Grande BH.
O governo federal esclarece que, caso não consiga emitir a autorização, basta ir a uma Unidade Básica de Saúde (UBS). Pessoas em situação de rua também podem ir aos Centros de Referência de Assistência Social (Cras), Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), Centros POP e de acolhimento ou Consultórios na Rua.
Além da distribuição de absorventes, o programa prevê estratégias para conscientização da população e qualificação técnica de agentes públicos. As ações têm sido desenvolvidas pelo Ministério da Saúde desde 2023, com a abordagem de temas como a menarca (primeira menstruação), prevenção de infecções, doenças e combate aos estigmas que envolvem esta condição.