Era noite de sábado. Eu estava de folga e sem sono, ao contrário de meu colega, o fotógrafo Gervásio Baptista, que dormia na cama ao lado. De repente, me dei conta de que tinha a madrugada à minha disposição. E só a perspectiva dessa liberdade aumentava minha insônia de tanta excitação, até porque tinha no bolso os generosos dólares de minhas diárias que havia economizado no transcurso daquela viagem pela Ásia. E, mais ainda: eu me encontrava em Hong Kong, que em chinês significa Baía Cheirosa. Resolvi então dar um bordejo por conta própria, sozinho, com a vantagem de falar um razoável inglês de Pele Vermelha, a língua oficial local (HK ainda pertencia à Inglaterra), além do chinês dos ali nascidos.
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Deixei o meu aconchegante hotelzinho no istmo de Kowloon, atravessei a baía num daqueles rapidíssimos Ferry Boats e 10 minutos depois caminhava deslumbrado por aquelas ruas bem iluminadas, examinando as vitrinas das mil lojas que ficam abertas 24 horas para atender turistas do mundo inteiro. A minha primeira parada foi num dos sofisticados bares do Hotel Mandarim, considerado o mais luxuoso do planeta. Depois de várias doses de conhaque francês legítimo (conferi no rótulo e no sabor), iniciei minha solene caminhada, disposto a mergulhar no mistério noturno fascinante da famosa metrópole, por sinal com segurança total. Ostensivamente, havia carros-patrulha em cada esquina, até porque ladrões na China têm vida curta.
Por puro palpite resolvi entrar numa das lojas para comprar qualquer souvenir. E eis que, de repente, estava frente à frente com a versão física melhorada de Jennifer Jones, com aquele jeitinho charmoso de eurasiana, rosto de linhas nobres em corpo bonito. Sem a habitual timidez, afugentada pelo álcool, indaguei: “a senhorita não trabalhou no filme Suplício de uma Saudade, ao lado de William Holden”? Sorrindo, ela respondeu que não e muito menos conhecia o tal do Mister Holden, ignorância imperdoável de uma bela mulher, isto porque William Holden era eu.
Aquelas providenciais doses de conhaque me abriram o coração para que eu abraçasse e amasse o mundo. Mas, felizmente, um lapso de sanidade mental me deu conta de que eu estava bêbado e que aquela chinesinha de olhos de jade não se chamava mundo.
Faz muito tempo que isso aconteceu, mas jamais esqueci aquele momento lindo, quando curti o meu primeiro e histórico porre em Hong Kong