Após a decisão da Justiça Federal, em fevereiro, de que a determinação judicial de desocupação da Terra Indígena Alto do Rio Guamá (Tiarg) deveria ser cumprida num prazo de 30 dias, Lula passou a missão para o secretário-geral da Presidência da República, Márcio Macedo, que a dividiu com a secretária-executiva Maria Fernanda Coelho.
Os dois acompanharam o trabalho a partir do Palácio do Planalto. Mas mandaram a campo o experiente assessor da Secretaria Geral da PR, Nilton Tubino, de 62 anos. À frente de uma equipe de 170 pessoas de 13 ministérios e de diversos órgãos federais, estaduais e municipais, Tubino teve um desempenho tão bom que, entre os colegas, passou a ser tratado como herói.
No “front”, em meio às intempéries da floresta amazônica – calor, chuva e estradas de difícil acesso –, Tubino ganhou o apelido de “Indiana Jones do Lula”, que, humildemente, rechaça. De volta a Brasília, mas já se preparando para retornar ao Pará, onde finalizará o trabalho na Tiarg, ele recebeu o Brasília Capital, na terça-feira (4), e concedeu esta entrevista.
Como surgiu o apelido de Indiana Jones? – Isso é uma brincadeira dos colegas aqui da Secretaria Geral. Na verdade, foi um trabalho coletivo para fazer valer o que prevê a lei, que é devolver os territórios para os povos indígenas.
Os primeiros seis meses do terceiro governo Lula representam uma mudança de paradigma em relação a Bolsonaro, que até dezembro incentivava a invasão de terras indígenas. Para o senhor, que veio da luta pela terra e é ligado ao MST, qual a sensação de viver este momento histórico? – Na realidade, a luta pela terra transcende há um bom tempo a História do nosso País. Mesmo os territórios indígenas estando homologados, não significa que estejam no pleno uso dos povos indígenas. Exemplo claro é a Tiarg, homologada em 1993 e até hoje, passados 30 anos, ainda não estava no domino dos povos indígenas.
Que tipo de invasor estava naquela área? – Boa parte eram madeireiros e outros tipos de ocupantes irregulares.
Como foi esse processo de desintrusão? – Foi a consolidação de um processo que teve início, meio e fim com os atos de devolução, com a presença da ministra Sônia, da secretaria-executiva Maria Fernanda, da presidente da Funai, Joênia, entre outros. Fazer a devolução do território para os povos originários é realmente uma grande conquista do governo do presidente Lula, que vem com o compromisso de tratar bem a pauta indígena, criando o Ministério dos Povos Indígenas e colocando uma indígena na Funai. Então, tem todos os elementos que vão respaldar esse processo de desintrusão e mais outros que vêm pela frente.
Talvez a maior vitória desse processo tenha sido realizar essa devolução sem atritos, sem nenhum confronto, à base de muita negociação. Como foi coordenar todas essas tratativas? – Desde fevereiro, quando a Secretaria Geral foi convocada pelo Ministério Público para coordenar esse processo, a gente montou uma coordenação nacional composta de 13 ministérios e começou a discutir a operação. Tinha uma fase importante para nós, que era a parte do diálogo. Então, fizemos uma série de reuniões em Belém (PA) e, depois, quando começamos a operação em Garrafão do Norte, que é a base da operação, fizemos reuniões com os trabalhadores da agricultura, vereadores e prefeitos. Fomos conversando com todos os setores para explicar as operações. Primeiro, que era o comprimento de uma decisão judicial que desde 2018 estava sendo descumprido, que era retirada de todos os ocupantes não indígenas, e também o que prevê a Constituição, que é o usufruto pelos povos indígenas dos territórios homologados.
Quais são os próximos passos desse trabalho? – A operação foi prevista para 90 dias. Começamos em maio, mas antecipamos alguns prazos, pois aceleramos a saída dos ocupantes e a emissão de posse que tínhamos previsto para o final de junho. Então, já fizemos o ato de repasse, e agora em julho vamos fazer a consolidação do processo, que é fechar o território. Estamos construindo cancelas nas estradas por onde deve ter transito dos indígenas ou do pessoal da segurança e da Funai, viabilizando os acessos para evitar novas invasões.
A área já está 100% livre de não indígenas? – A Funai vai começar a trabalhar com o plano de ocupação do território pelos indígenas. São 280 mil hectares e 42 aldeias. Porém, as aldeias estão nas extremidades Norte e Sul. O meio era onde estava sendo ocupado pelos posseiros. Portanto, o desafio agora é a saída dos posseiros e a retomada desse território pelos povos indígenas.
Qual a próxima missão do Indiana Jones após a conclusão desse trabalho na Tiarg? – O Ministério dos Povos Indígenas criou um comitê de desintrusão. Estamos fazendo uma discussão junto com a Funai para identificar as prioridades para os próximos períodos nessa linha de desintrusão. Em algumas situações, são só garimpeiros. Mas existem outros processos que envolvem posseiros. Vale fazer um levantamento.
Alguns desses processos já estão mais adiantados? – A Funai levantou que existem 32 decisões judiciais com a União que já estão condenadas. Entre elas, vai se fazer uma seleção e avaliação para ver quais são os processos prioritários para começar uma operação deste tamanho. O planejamento de campo inclui aeronaves, viaturas e toda uma logística. Na Tiarg, quem fez a logística foi o Exército Brasileiro, que montou a base e a parte de alojamento, alimentação e abastecimento. Então, é uma operação que precisa ser planeja minuciosamente para termos o resultado que tivemos na Tiarg.