Reinaugurado esta semana, o Hospital do Sol Nascente é quase uma obra de realismo fantástico ao estilo de Gabriel Garcia Marquez. Começa pela incoerência de ser o Hospital do Sol Nascente, ao lado da UPA de Ceilândia, na QNN 27. O nome Hospital da Cidade do Sol é para fugir ao inconveniente de não ficar no Sol Nascente.
Mais ficção para os moradores do Sol Nascente do que para o restante da população do DF, a unidade de saúde não terá atendimento de porta. É um prédio com área de 22.900 m², que vai funcionar, segundo anúncio feito pelo GDF no dia 5, como retaguarda, para receber pacientes de outras unidades públicas.
O hospital, que magicamente migrou de Ceilândia para o Sol Nascente, foi inaugurado pela primeira vez em janeiro de 2021 como Hospital de Campanha de Ceilândia. À época, foi dito que seria transformado no Hospital Materno Infantil de Ceilândia depois da pandemia. Promessa que não vingou, talvez porque existe uma carência tremenda de pediatras na rede pública do DF, e nenhum projeto de contratação anunciado. Não faltam na cidade, mas são poucos no SUS-DF.
Improviso
Planejamento e projeto na gestão pública da saúde do DF também são um enredo ficcional. A realidade se traduz em improviso e conveniência. Com 60 leitos, o Hospital da Cidade do Sol abriu apenas 20 para atendimento a pacientes de covid-19. Isso porque os profissionais da unidade também são personagens de ficção. Não vou nem falar dos equipamentos necessários a um prédio que se pretende chamar hospital.
A poucos dias da reinauguração, só 10 profissionais de enfermagem haviam sido lotados na unidade – profissionais que prestaram concurso para trabalhar em UBS e não em hospitais e para atendimento de pacientes acometidos de síndromes respiratórias que podem ser graves.
As escalas de plantão estão sendo preenchidas por meio de cessão de carga horária (com remuneração por trabalho por tempo determinado, a TPD, menor do que o valor de horas extras) de profissionais de outras unidades de saúde – as quais já sofrem com insuficiência de médicos e outros profissionais.
Faltam médicos
A quantidade de médicos é outra narrativa que chama a atenção: enquanto o governo divulgou que contratou 8 mil profissionais de saúde, o número de médicos na folha de pagamento da Secretaria de Saúde passou de 5.379, em dezembro de 2020, para 5.593, em novembro de 2021. A diferença é de apenas 214.
Esta semana foi anunciado que haverá contratação temporária – em algum momento no tempo e no espaço – de 62 médicos e 362 técnicos em enfermagem. Só o Hospital do Gama precisa de 30 especialistas em clínica médica para voltar a funcionar normalmente.
Mais que isso, é fantasioso, diante da realidade do mercado profissional, que esses médicos venham a assumir e cumprir o contrato de um ano diante das condições de trabalho e remuneração oferecidos pelo GDF. No Gama, chamaram 15 em setembro passado. Só restam dois deles e alguns nem chegaram a assumir.
Assistência
Outra grande falha no roteiro do Hospital da Cidade do Sol é que um hospital tem que ter condição de dar assistência aos pacientes em diversas especialidades. Quem for internado lá, se precisar de atendimento em cardiologia ou nefrologia, por exemplo, vai ter que ser removido para outra unidade, porque não há nem profissionais nem equipamentos para prestar a assistência necessária.
Um hospital é uma estrutura bem mais complexa do que o discurso do GDF faz parecer. O que há de real em toda essa história é a necessidade de ampliar a oferta de assistência à saúde da população, com profissionais qualificados, dignamente remunerados, com os meios e insumos adequados disponíveis para dar a assistência que os pacientes precisam. Isso sim, precisa sair do campo da fantasia e da esperança para se tornar realidade.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasília Capital