A área central do Plano Piloto ganhou decoração natalina na noite do último dia 22 ao custo de R$ 14 milhões. Ao inaugurar a iluminação, o agora ex-secretário de Economia André Clemente afirmou que o “o DF não é só saúde, educação e segurança pública”, em uma tentativa rasa de minimizar as críticas ao gasto, que dobrou em relação a 2020.
Já foi dito que o valor aplicado nesse projeto (fora a conta de luz, que chega mais tarde) daria para construir creches e UPAs. E que a redestinação de valores de emendas parlamentares de 18 deputados distritais favorece a empresa da esposa de um alto funcionário da Câmara Legislativa. Quando se faz uma retrospectiva só na área da saúde do que se passou este ano, as luzes desse projeto parecem ainda mais embaçadas.
Em 2021, com o avanço da vacinação contra a covid-19, os hospitais públicos do DF voltaram a ter afluxo de pacientes com as demandas antigas. Desde então, vemos faltar de tudo – de simples antibióticos a tratamento de quimioterapia. A dificuldade para a realização de exames simples continua grande, porque faltam reagentes. Além de tudo, o quadro de médicos, enfermeiros e demais profissionais de saúde é reduzido e insuficiente.
O Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (Iges-DF) continua acumulando dívidas e, em agosto, o seu então presidente, Gilberto Occhi, afirmou que seriam necessárias, ainda este ano, suplementações orçamentárias de R$ 610 milhões para cobrir os gastos do Iges, onde falta de tudo e tratamentos e cirurgias eletivas são suspensas.
O dinheiro destinado ao Instituto deixa de ser investido nas unidades sob a administração pública direta. E nestas, o quadro de penúria aumenta graças aos desvios da saúde para o projeto privatista do GDF. A UBS 10, de Ceilândia, por exemplo, ficou com buracos abertos no teto de onde caiam detritos e uma infestação de piolhos de pombo por um ano. E é só um exemplo do que ocorre.
O descaso e a má gestão têm trazido transtorno e sofrimento aos pacientes, quando não provoca mortes evitáveis. Em novembro, por exemplo, a 5ª Vara da Fazenda Pública e Saúde Pública do DF determinou que o Iges-DF providenciasse com urgência o reabastecimento de medicamentos para o tratamento oncológico.
O Centro de Radioterapia do Hospital de Taguatinga é outro exemplo da má gestão. Obra com custo de R$ 9,1 milhões, foi inaugurada em setembro deste ano e já no início de dezembro deixou de receber novos pacientes porque o projeto foi mal feito e o sistema de ar condicionado não funciona adequadamente.
Se considerarmos os casos de suspeita de desvios e superfaturamento em contratos feitos para aquisição de equipamentos, insumos e serviços no enfrentamento à covid-19, ainda sob investigação, o volume de recursos desviados ou mal aplicados se perde de vista.
Daí, voltamos ao discurso do ex-secretário, que como conselheiro do Tribunal de Contas do DF vai ter de analisar os gastos do GDF: o DF não é “só” saúde, educação e segurança pública. E assim, dinheiro de emendas de 18 deputados distritais para essas três áreas, nas quais os recursos são insuficientes, mal aplicados ou desviados, é gasto em cenografia natalina no centro do poder da Capital. Festival de luzes?
Acredito que as centrais de medicamentos abastecidas e os serviços de saúde funcionando plenamente fariam o brasiliense mais iluminado e feliz.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasília Capital