Todo ano há um aumento tremendo na procura por atendimento pediátrico da primeira quinzena do mês de março à primeira quinzena de junho, em função do período de maior incidência de doenças respiratórias. É fato registrado em estudos acadêmicos e nas estatísticas da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal. Sabe-se disso há décadas.
Não é justificável, portanto, estarmos assistindo, mais uma vez, a esse festival de imagens e relatos de crianças dormindo em bancos e no chão dos hospitais e famílias peregrinando pelas unidades de saúde e voltando para casa sem atendimento. Tampouco as portas das emergências pediátricas tomadas por carros da polícia, chamada para conter a revolta de pais e mães furiosos com a demora ou falta de atendimento, como ocorreu duas vezes no Hospital Regional de Santa Maria com um intervalo de apenas 72 horas.
A culpa desse caos não é dos profissionais de saúde nem do gestor de uma ou outra unidade de saúde. É um problema sistêmico de gestão e que vem se arrastando ao longo dos anos. A verdade é que as medidas para esse período de sazonalidade deveriam estar previstas no planejamento anual de ações da Secretaria de Saúde.
Estudos que avaliam a evolução do atendimento pediátrico no Distrito Federal mostram que, de 1994 até hoje, houve apenas um ano em que as doenças sazonais respiratórias não tiveram o efeito de lotar as unidades de emergência pediátrica. Isso ocorreu em 1998. Qual é a receita? Uma rede de Atenção Primária à Saúde bem estruturada.
Em 1998, o DF contava com uma cobertura imensa do Programa Saúde em Casa (PSC), com equipes completas. Essas equipes tinham o apoio dos pediatras e demais profissionais dos centros de saúde, para onde eram encaminhados os casos que não podiam ser resolvidos pelas equipes do PSC. E só os casos mais complexos, que precisavam de mais recursos ou especialistas focais, eram mandados para os hospitais – todo mundo era atendido e só os casos graves eram hospitalizados.
Hoje, com as mudanças feitas no governo Rollemberg, a maioria dos profissionais em atividade na Estratégia Saúde da Família não tem treinamento adequado para o atendimento pediátrico e não há mais a rede de apoio de médicos especializados em pediatria nos centros de saúde – vai todo mundo para a porta dos hospitais e UPAs. Muitos leitos hospitalares estão fechados e, de abril de 2014 a fevereiro deste ano, o quadro de pediatras da SES passou de 684 para 541 – apesar de a cidade ter quase 1.400 pediatras inscritos no Conselho Regional de Medicina. Não faltam pediatras em Brasília. Isso é mito!
As ações indicadas para equacionar o problema, além da contratação de pediatras em número adequado, são: reabrir e flexibilizar a utilização de leitos conforme a necessidade do momento (leitos reversíveis), estender o período de funcionamento dos centros de saúde com profissionais capacitados, colocar pessoal treinado e com atuação específica no serviço de classificação de risco 24 horas por dia – eu defendo que sejam médicos. Não é de hoje que elas estão previstas. O que não aconteceu até agora foi o gesto político de adotar as medidas necessárias. Já é tempo de fazermos isso.