Esta semana, o presidente da Frente Parlamentar da Medicina (FPMed), deputado Hiran Gonçalves, apresentou à Procuradoria Geral da República uma representação contra a prática da teleconsulta médica anunciada por duas grandes operadoras de planos de saúde. Como presidente da Federação Nacional dos Médicos, junto com outras lideranças, eu o acompanhei, porque o assunto é muito preocupante.
Para entender bem o que está em discussão é necessário ter clareza de que a consulta médica tem alguns componentes básicos: entrevista ou anamnese e o exame físico, que consiste em: inspeção, com observação visual do paciente; palpação ou percepção pelo tato; e a ausculta ou escuta dos ruídos internos do organismo do paciente. A teleconsulta permite apenas a entrevista médica e, no máximo uma observação imprecisa limitada por equipamento e velocidade da internet.
Deixando de lado a prática da consulta médica tradicional, recairia sobre o paciente – com suas capacidades individuais de verbalizar sinais e sintomas e seu conhecimento da anatomia humana – a responsabilidade pelo próprio diagnóstico. A própria qualidade de sinal ou velocidade de banda da internet interfeririam no resultado do atendimento. Isso representa risco à segurança do paciente.
Em um modelo de atendimento como o proposto pelas operadoras, os profissionais teriam menos elementos para avaliar o quadro dos pacientes. Isso fatalmente aumenta o risco de percepção incorreta da real situação do paciente, levaria a tratamentos e prescrições inadequadas e ao agravamento da condição do paciente. Aumenta o risco para o paciente e aumenta a probabilidade de erro para o profissional que faz o atendimento, com todas as implicações éticas e legais existentes.
A Telemedicina, em si, existe desde os anos 1970, quando se começo a utilizar as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) para melhorar os desfechos dos pacientes, ampliando o acesso aos cuidados e a informações médicas. A Organização Mundial da Saúde descreve a prática como “oferta de serviços de atenção à saúde, onde a distância é um fator crítico, por profissionais da área da saúde usando as Tecnologias de Informação e Comunicação para o intercâmbio de informações válidas para diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças e agravos, para a pesquisa e avaliação e para a educação continuada em saúde, com o interesse em melhorar a saúde dos indivíduos e de suas comunidades.”
Aqui no Distrito Federal, o cardiologista Osório Luís Rangel conseguiu, em 1983, transmitir por telefone os sinais de atividade elétrica do coração de um paciente – isso no Hospital de Base. Antes disso, o telefone servia aos médicos para discussão de casos, depois vieram a internet, os smartphones e a infinidade de aplicativos – alguns que permitem o monitoramento remoto da glicemia e da frequência cardíaca, por exemplo. Aos poucos as tecnologias vão sendo testadas e incorporadas à prática da telemedicina, que está em permanente construção.
O que não se conseguiu ainda é substituir o contato humano, o toque e as demais percepções que o profissional obtém na consulta presencial. Suprimir essa relação entre médico e paciente atende muito bem aos interesses de quem trata saúde humana como produto de mercado. Para nós, profissionais da saúde, a tecnologia ainda não dá condições de abrir mãos dos métodos que até hoje têm servido muito bem para salvar vidas: anamnese, inspeção, palpação e ausculta. No dia em que houver tecnologia para a análise remota com todos os aspectos que a prática tradicional nos dá, aí sim, poderemos admitir a consulta médica a distância, sem constrangimentos éticos ou temor pela condição de nossos pacientes.