Se fosse o Brasil um país sério e verdadeiramente comprometido com a sustentabilidade, poderíamos até comemorar a fusão de duas pastas ao primeiro olhar tão antagônicas como a Ambiental e a da Agricultura, mas profundamente interligadas em sua essência. Mas sinalizações do novo presidente do Brasil apresentam a completa ignorância sobre temas tão relevantes, ou denotam claramente a quem serve este projeto. O agro agora é OP, siga inglesa popular na internet e que significa “OverPowered\”, com força além do normal.
Em diálogo constante com o lobby rural brasileiro ao longo de todo o período eleitoral, é sabido que este segmento é detentor de uma das maiores e mais poderosas bancadas no Congresso Nacional. O retrocesso se avizinha e custará caro, uma vez que a recomposição de danos – em especial os que impactarão diretamente nos recursos, é quase de uma inocência pueril.
O meio ambiente não pode perder, ou todos nós perderemos, inclusive aqueles que enriquecem por meio da terra – mas não para a Terra. Para você que acredita ser este um papo de ambientalistas hippies, tentarei explicar de forma mais prática e didática a magnitude do problema.
Ambas as áreas tratam do mesmo tema em abordagens por vezes distintas. A primeira com um olhar para o direito humano primordial a uma vida saudável e à proteção estratégica de riquezas naturais finitas, e a outra pelo viés exclusivamente produtivo e econômico, ainda que segurança alimentar seja outro direito constitucional essencial e garantidor de soberania para uma nação.
Mas, para além do que nos separa, há também um quociente comum aos dois segmentos: ambos tratam da maior riqueza brasileira, a terra. Talvez a forma seja diferente para o mesmo conteúdo por priorização estratégica, escolha política cunhada ao longo de nossa história. Colocados sempre de forma antagônica, a relação do Meio Ambiente e do Ruralismo, como são tradicionalmente postos, apresenta o principal desafio para o desenvolvimento do país no século XXI.
A matriz econômica brasileira, baseada prioritariamente na extração e superexploração de riquezas naturais, é um modelo extremamente perverso e que resulta na tríade da insustentabilidade: precarização ambiental com a constante flexibilização de legislações e instrumentos normativos; manutenção de injustiças sociais históricas por meio da manutenção da concentração de riquezas (terra); e dependência econômica de rentistas locais e internacionais em decorrência da volatilidade do mercado de commodities.
A fusão dos ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura, caso fosse um contexto mais progressista e no qual o Estado compreendesse a relevância da transversalidade da pauta da sustentabilidade, poderia ser uma ação pacífica. Mas, em tempos de Bolsonaro, este recado soa como o cumprimento de uma ameaça a nós e ao próprio futuro chefe de Estado. Uma hora a fatura é cobrada.
O agronegócio participa com 23% a 24% do PIB (compreendendo as atividades primárias, de processamento e distribuição). A aglutinação das pastas, assim como foi com a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário, celebra a face mais cruel do novo projeto para o país. É o fim de qualquer diálogo sobre reforma agrária, justiça no campo e avanços da agricultura familiar, modelo muito mais respeitoso e que ligava, intrinsecamente, o ruralismo ao ambientalismo, quase em seu estado da arte.
Com o sufocamento das políticas públicas para a agricultura familiar, do repasse de recursos e fomento mais equânime entre pequenos e grandes devemos observar uma nova onda de êxodo do campo e de migração para os grandes centros urbanos, no caminho oposto ao que deveríamos estar tomando. Com isso, virão mazelas maiores, como a escalada da violência, desemprego, adensamento das cidades e de seus problemas. Tragédia anunciada.
Se o Brasil fosse sério, seria uma bela oportunidade submeter à política agrícola a agenda de sustentabilidade, na lógica inversa. Imagina que maravilha seria? Poderíamos tratar com seriedade as riquezas oriundas da extração mineral, que apresenta dilemas potencialmente muito mais graves – ainda utilizamos no Brasil métodos de acúmulo de rejeitos só usados em países pouco desenvolvidos e temos centenas de situações de risco parecidas ou até piores que as de Mariana.
Nesse futuro delusional, poderíamos tentar mudar a matriz energética brasileira para modelos mais limpos, modernos, deixando de vez de considerar extração de petróleo como prioridade de Estado. Poderíamos potencializar a produção sem ter que flexibilizar o marco regulatório dos agrotóxicos que, na contramão do mundo, pretende aumentar ainda mais a quantidade de veneno em nossa comida e que, em breve, pode ocasionar inclusive problemas de exportação de nossos produtos para mercados mais exigentes, como o europeu. E como venderemos nossas bananas?
Podíamos garantir a qualidade de nossos aquíferos, a manutenção de nossas florestas e riquezas ainda desconhecidas e a preservação de nossos povos tradicionais. Garantir ainda o abastecimento de água tratada para 35 milhões de habitantes e saneamento mínimo para quase metade da população.
Continuaríamos honrando nossos acordos internacionais e ampliando mercados pouco explorados e extremamente rentáveis, como os de crédito de carbono. Uma série de oportunidades de negócios que poderiam ajudar na composição econômica de um PIB muito mais verde.
Em tempos não tão remotos assim, o ministro Blairo Maggi, conhecido pela alcunha de “Senhor Motosserra”, chegou a agradecer a graça de ter duas safras no mesmo ano por conta do uso de tecnologias ambientais.
O que presenciaremos, caros amigos, será um sonho distópico de verão: o ruralismo faminto como uma besta acéfala dilacerando anos de avanço. Os mesmos coronéis latifundiários de sempre e que continuarão sendo os campeões nacionais, escravizando a terra e o povo à exaustão para continuar enriquecendo no modelo mais atrasado do mundo.
O agro é pop, é OP. E sem meio ambiente, é nada.
(*) Rayssa Tomaz é jornalista