J. B. Pontes (*)
Neste exato momento, enormes navios carregados de minérios, grãos e outros produtos primários produzidos no Brasil navegam pelos oceanos com destino a outros países, principalmente a China, onde vão ser industrializados e gerar empregos e renda. Na volta, trarão meio container de produtos industrializados.
O agronegócio investe uma fortuna em propaganda para tentar se apresentar à sociedade brasileira como a “indústria riqueza do Brasil”.Na realidade, não é indústria coisa nenhuma, mas sim um setor que prossegue com o modelo vulgar e ultrapassado de exportação de matérias-primas.
Segundo especialistas, 83% do faturamento da soja, maior produto de exportação agrícola, provém de grãos, 15% de farelo e de um percentual insignificante de óleo.Alardeiam, com uso de uma metodologia manipulada, que contribuem com 27,4% para o PIB do País. Mas, segundo o IBGE, considerando-se o que realmente é o agronegócio (plantas e animais), essa contribuição não chega a 7%.
A imagem de pujança e da grande contribuição para o País que nos passam, esconde a verdade de um setor altamente concentrado, formado por uma pequena elite muito rica e poderosa. O Censo Agropecuário revelou que 85% do valor bruto da produção são gerados em apenas 9% dos estabelecimentos. Os restantes 15% são de pequenos agricultores e pecuaristas, na maioria empobrecidos.
São esses pequenos produtores que aparecem na publicidade como sendo a “cara” do agronegócio. Chegaram a colocar em uma dessas peças publicitárias até mesmo uma líder dos quilombolas, fato que seria risível se não fosse um absurdo.
Não pagam imposto de exportação, nem ICMS, nem quaisquer outros impostos (exceto o ITR subavaliado) e ainda são beneficiados pelos festivais de perdões da dívida agrícola pelos bancos estatais.
Em 2019, por exemplo, o governo concedeu até 95% de desconto para pagamento de dívidas rurais, fato que se repetiu em 2021, quando igual redução foi concedida para liquidação das dívidas contraídas com o Banco do Brasil.As renúncias fiscais atingem valores astronômicos, avaliadas este ano em mais de R$ 350 bilhões. A maioria dos beneficiados são os grandes produtores.
Essa política de renúncias tributárias, de créditos, subsídios e perdões de dívidas seria socialmente relevante se o agronegócio fosse um setor gerador de empregos, o que está muito longe da verdade.
A mecanização das lavouras e o avanço tecnológico na pecuária têm reduzido em muito a quantidade de mão-de-obra empregada no campo. Estudo do IBGE demonstrou que, desde 2012, o agronegócio desempregou cerca de 1,4 milhão de pessoas. O total de trabalhadores rurais reduziu-se no período de 10,4 para 9 milhões.
Para manter esse modelo do atraso, precisam de um oportunista no poder, que teve a irresponsabilidade de jogar com os recursos da máquina pública para comprar uma aliança com os ruralistas e, assim, ter o apoio da enorme bancada que esse setor possui no Congresso Nacional.
O agronegócio é o setor da economia que mais concentra integrantes radicais que se identificam com as pautas violentas do bolsonarismo, desde a liberação de armas ao desmatamento ilegal, até os delírios antidemocráticos do atual presidente.
Foram os que mais contribuíram para a campanha de Bolsonaro, por meio de doações em dinheiro e financiamento de atos antidemocráticos, antes e depois das eleições. São agora os principais financiadores de bloqueios de rodovias e dos acampamentos montados em frente aos quartéis do Exército, clamando por intervenção militar.
Não fazem isso só por uma questão ideológica, mas sim econômica. Eles querem a preservação dos inúmeros benefícios fiscais e creditícios que têm e a continuidade do modelo de exportação de matérias-primas, que lhes rende enormes lucros quase imediatos. Nem pensam na formulação de um projeto agroindustrial, o que poderia agregar valor aos produtos, gerar empregos e renda.
Na verdade, o Brasil nunca se empenhou com vigor para criar um forte setor industrial, que era e continua sendo o setor mais estratégico, dinâmico e inovador de qualquer economia. Ao contrário do agronegócio, a indústria gera empregos qualificados, o que estimula a educação e eleva os salários.
Alguns governantes, no entanto, deram alguns passos para fomentar a criação de um parque industrial no País. Getúlio Vargas, em 1952, criou o BNDES, com o objetivo de assegurar recursos a juros baixos e longos prazos necessários à indústria,o que os empresários desse setor não conseguem obter dos bancos privados, dado os elevados riscos do negócio industrial.
Infelizmente, o BNDES, por imposição do atual desgoverno, foi orientado a mudar essa estratégia, e, desde 2018, passou a financiar mais o agronegócio do que a indústria.E os gestores públicos nem ao menos tiveram a visão estratégica para exigir que os empréstimos do BNDES fossem utilizados para o desenvolvimento de um projeto agroindustrial, hoje praticamente inexistente.
No ano passado, segundo dados da Agência Senado, o banco estatal de fomento destinou 26% dos seus recursos para o agronegócio e somente 16% para a indústria,contrastando com os percentuais registrados em 2009, quando o agronegócio foi contemplado com 5% e a indústria com 47%. Considere-se que os produtores rurais contam ainda com empréstimos subsidiados do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal.
O descaso do Brasil no apoio à indústria, setor estruturante de qualquer economia, é inadmissível e está levando o país a ficar cada vez mais dependente da importação de produtos industrializados, o que poderá trazer sérias consequências futuras.
A verdade é que a pujança do agro não transborda para o restante da economia brasileira. Enquanto na região Centro Oeste registra-se, a cada safra, uma explosão de compras de aviões, carros de luxo e de produtos de alta sofisticação, daí não advêm outros benefícios para a sociedade em geral, seja na forma de impostos recolhidos ou de geração de renda e empregos, nem mesmo nas localidades de seu entorno.
Fato instigante é que o Brasil, durante o desgoverno Bolsonaro, voltou ao mapa da fome. E a pergunta que fica sem resposta é: Como um país que apregoa ser o celeiro do mundo não consegue dar de comer à sua própria população? A resposta é simples: o agro produz para exportação, para obter altos lucros de forma quase imediata, faturando em dólares. Não tem nenhum compromisso com o povo brasileiro.
Enquanto a maioria continua com dificuldade para adquirir o básico para sobreviver, uma minoria se enriquece com o agronegócio, desemprega, espolia o erário, destrói o meio ambiente, dá calotes nas dívidas públicas e supervaloriza sua relevância econômica por meio de vultosas campanhas publicitárias.
(*) Geólogo, advogado e escritor