O Brasil mudou. Até há poucos dias, costumava-se dizer que tudo na política nacional acabava em pizza. No entanto, desde que o zero três da linhagem bolsonariana bateu o pé para tornar-se embaixador em Washington, os finais de festa passaram a ser abastecidos à base de hambúrguer. O presidente da República admite a possibilidade de satisfazer o desejo do filho, que, para demonstrar estar apto a exercer a função na mais importante representação brasileira no exterior, alegou ter feito intercâmbio nos EUA, e chegou a fritar hambúrgueres numa lanchonete.
Mas o passar dos dias e os desdobramentos do factóide – que desviou a atenção de assuntos realmente importantes, como as reformas da Previdência e Tributária e os vazamentos do site Intercept Brasil que comprometem o ministro da Justiça Sérgio Moro – transformaram a hipótese na mais recente piada nacional.
Nas redes sociais, viralizaram vídeos onde o deputado Eduardo Bolsonaro é ridicularizado. Ora com paródias de músicas dedicadas a filhos birrentos, ora com ele próprio se enroscando em seu inglês macarrônico. Até Caetano Veloso caiu na risada…
Não frita como eu frito – “Eduardo é meu filho… fala inglês, fala espanhol, tem uma vivência internacional muito grande. E frita hambúrguer também, tá legal?, disse Jair em conversa com jornalistas no Alvorada após reunião ministerial na terça (16). \”Frito melhor do que ele, talvez por isso eu seja presidente”, emendou.
Bolsonaro insistiu que o zero três tem boas relações com os filhos de Donald Trump, o presidente norte-americano. E, baseado em pareceres da área jurídica do Planalto, descarta estar praticando nepotismo. O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, declarou que o cargo de embaixador \”é político\”.
Opinião contrária tem o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal: o caso configuraria, sim, prática de nepotismo. Para ele, a Constituição afasta a possibilidade de o presidente nomear o filho.
Sabatina – Mas a determinação do presidente de atender a vontade do filho pode não ser suficiente para Eduardo mudar-se de Brasília para Washington. Aos 35 anos recém-completados – uma das condições para se tornar embaixador e que, talvez por isso o cargo esteja vago desde abril, quando Sérgio Amaral, que está no Itamaraty desde 1971, foi transferido de volta para Brasília –, o parlamentar terá de ser sabatinado na Comissão de Relações Exteriores do Senado e aprovado pelo plenário da Casa.
As duas votações são secretas. Mas a oposição pretende abrir o voto para constranger aqueles que apoiarem a indicação do zero três, altamente criticada pela opinião pública. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), disse ao chefe do Executivo que ele tem, sim, a prerrogativa de indicar os representantes diplomáticos no exterior. “Independentemente da indicação, todos são iguais e todos passam por sabatina. Seja quem for\”, afirmou Alcolumbre.
Renúncia – Eduardo precisará renunciar ao mandato de deputado. De imediato, porém, o governista Capitão Augusto (PL-SP) avisou que apresentará uma Proposta de Emenda à Constituição que permita a deputados e senadores assumirem missão diplomática sem perder seus mandatos. O deputado Marcelo Calero (Cidadania-RJ), que é diplomata, apresentou projeto para determinar que “sejam designados para chefe de missão diplomática permanente exclusivamente integrantes do quadro da carreira diplomática do Serviço Exterior Brasileiro”.
Até aliados questionaram a escolha. A deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP) twittou: “Quem fez Eduardo deputado foi o povo. Isso precisa ser respeitado. Crescer, muitas vezes, implica dizer não ao pai”. Segundo levantamento de O Estado de S.Paulo, dos atuais 17 integrantes da comissão, 6 são contrários e 7 favoráveis, 3 não comentaram e só um não se manifestou – a senadora Renilde Bulhões (Pros-AL).
Legenda: Eduardo Bolsonaro: o zero três bateu o pé para ser embaixador do Brasil em Washington (EUA)
Embaixadores fora da carreira só em caráter excepcional
Excepcionalmente podem ser escolhidas pessoas que não façam parte da carreira diplomática
A Lei 11.440, de 2006, define os critérios para a escolha de chefes de missões diplomáticas. A legislação determina como regra que os embaixadores serão escolhidos entre os ministros de primeira classe ou de segunda classe do Ministério das Relações Exteriores.
Porém, a lei autoriza, em caráter excepcional, que sejam escolhidos para os cargos pessoas que não façam parte da carreira diplomática, desde que sejam brasileiros natos, maiores de 35 anos, “de reconhecido mérito e com relevantes serviços prestados ao país”.
A indicação é confirmada com a publicação de uma mensagem do presidente da República no Diário Oficial da União. A indicação é enviada ao presidente do Senado, que a encaminha à Comissão de Relações Exteriores. O presidente do colegiado indica um relator para apresentar um parecer em que analisa o currículo do indicado.
Após a leitura, é tradicionalmente concedida vista coletiva e a sabatina é realizada em outra reunião, quando os senadores questionam o candidato. Ao final da sabatina, o colegiado submete a indicação à votação. A comissão conta com 19 senadores titulares. A votação no colegiado é secreta e precisa de maioria simples.
Independentemente da aprovação ou rejeição na CRE, o Plenário do Senado precisa referendar o resultado, também em voto secreto com maioria simples.
(*) Com informações da Agência Senado