Maior orçamento da Esplanada e historicamente o calcanhar de Aquiles de todos os governos, o Ministério da Saúde, mais uma vez, esteve no centro do fogo cruzado esta semana, após a cobrança pública do presidente Lula à titular da pasta, Nísia Trindade, por melhores resultados.
As cobranças de Lula foram motivadas por gargalos como a epidemia de dengue no Brasil, que atingiu quase dois milhões de infectados, o aumento das mortes dos Yanomamis e a crise nos hospitais federais. A nota técnica sobre os casos de aborto autorizados pela Justiça também foi alvo de críticas.
A ministra pediu a palavra. Reconheceu as dificuldades, e respondeu aos questionamentos do presidente. Esclareceu que o suposto aumento nos óbitos de Yanomamis não condiz com a realidade. Segundo ela, houve subnotificação dessa situação durante o governo do ex-presidente Bolsonaro.
Já sobre os problemas enfrentados pelos hospitais federais no Rio de Janeiro, Nísia afirmou que faria mudanças. Posteriormente, exonerou Helvécio Miranda Júnior, secretário titular da Atenção Especializada à Saúde do Ministério da Saúde, e o diretor do Departamento de Gestão Hospitalar do estado do Rio, Alexandre Telles.
Informou que desconhecia a nota técnica sobre o “aborto legal”, e ressaltou que o documento foi suspenso. A nota técnica em questão apenas previa a revogação de uma restrição aplicada durante a gestão Bolsonaro que fixava em 21 semanas e seis dias o período de gestação limite para realizar a interrupção da gravidez nos casos previstos em lei.
Sobre a dura crítica de Lula em relação à decisão do MS de lançar a campanha contra a epidemia de dengue sem número suficiente de vacinas disponíveis à população, a ministra foi às lágrimas antes de concluir sua resposta. Emocionada, admitiu se sentir pressionada por diferentes alas políticas, inclusive dentro do próprio governo. Amparada pela primeira-dama Janja, retirou-se brevemente da sala para se recompor. Altiva, retornou e concluiu sua explanação.
Jogo do baixo clero
Nísia Trindade é profissional de carreira da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz). Tem larga experiência em saúde pública e sente na pele a sanha do Centrão pelo maior orçamento da Esplanada. Na mesma reunião, Lula ainda cobrou “mais diálogo com o Congresso”.
Porém, é complicado estabelecer diálogo com quem não quer conversa. Não interessa ao Centrão estreitar relações com Nísia. Primeiro, porque as dificuldades enfrentadas pela ministra só fomentam o discurso de que a pasta deve ser gerida por alguém indicado por eles.
Segundo, porque a personalidade e caráter de Nísia inviabilizam qualquer tipo de manobra pouco republicana que esses políticos estão acostumados a fazer com objetivos de beneficiar suas bases eleitorais, em especial no direcionamento e execução de emendas parlamentares. Então, para eles, se Nísia não joga o jogo político do baixo clero, tem que sair.
Lula diz que a ministra fica
Após ouvir os esclarecimentos, Lula reafirmou as cobranças, e frisou à ministra que o Centrão exige o comando da pasta desde o início do governo. Porém, cabe ao presidente decidir o que lhe é mais caro: atender à sanha de Centrão por espaço político e poder sobre o bilionário orçamento do Ministério da Saúde, ou preservar uma profissional que dedicou toda a sua vida e carreira a melhorar a atenção primária em saúde no País.
No dia seguinte, após uma reunião de três horas com a ministra e sua equipe, Lula voltou a aparecer em público ao lado de Nísia. Reafirmou que ela é uma escolha de sua cota pessoal, tem total autonomia para tomar as decisões necessárias ao aprimoramento do sistema de saúde do Brasil, e confirmou que Nísia será mantida no Ministério da Saúde.
A permanência da ministra, após o desabafo e a prestação de contas cobrada pelo presidente, é um alento para milhões de cidadãos que precisam do sistema público de saúde.
Nísia chorou para fazer sorrir os brasileiros, especialmente os mais carentes. Chora, Centrão!