Bem-sucedida na área da beleza, a empresária Jeane Resende precisou se reinventar rapidamente nos últimos quatro meses para não sofrer grandes perdas. Obrigada a fechar as portas das quatro unidades do Instituto Embelleze, em Taguatinga, Ceilândia, Águas Lindas e Goiânia desde o início da pandemia, também suspendeu os cursos de capacitação e treinamentos para centenas de aspirantes a cabeleireiros, manicures e outros profissionais do ramo, nos estabelecimentos, que também funcionam como centros de educação. “Fomos uns dos primeiros a fechar e seremos um dos últimos a abrir”, observa.
Em casa, Jeane precisou se reorganizar, manter contato permanente com seus colaboradores, clientes, alunos e proprietários de salão de beleza e criar conexão direta com toda uma rede de serviços fortemente atingida pela crise. Sensibilizada, tirou da gaveta antigo projeto e lançou, pelas redes sociais, o movimento “Sorte é o caralho – desmistificando a sorte e provando que caralho não é palavrão”.
O símbolo do movimento é o Trevo Raro preto desconstruído, numa alusão de que a sorte não existe e que o sucesso é fruto de muita persistência, trabalho, sacrifício e até de renúncia. “Sou o exemplo vivo de que a sorte é o encontro do esforço com a oportunidade, e que não podemos ficar de braços cruzados esperando ela chegar”, afirma.
Lançado em 15 de abril, a partir de uma série de vídeos, conteúdos e dicas de incentivo voltadas para pequenos empreendedores, o movimento já conta com quase 15 mil seguidores no Instagram. O sucesso tem sido tanto que foram produzidas camisetas com os dizeres “Sorte é o caralho”, vendidas como água pela internet.
“Falo para aqueles que vendem água no sinaleiro, que têm salão de beleza, confeitaria, loja que de roupa, enfim, para muita gente”, informa a gestora. Ela observa que os microempreendedores são os mais prejudicados pela crise. Nesta entrevista, Jeane fala sobre seu trabalho, trajetória de vida e o movimento em apoio aos microempreendedores.
Como surgiu a ideia de lançar o movimento? – Com a pandemia, me vi obrigada a fechar as minhas empresas. Dia 12 de março, fechei duas unidades. No dia 19, mais duas. E no dia 20 fechei tudo que tinha, pois administro outros negócios. Tive que me descobrir trabalhando em casa, tendo que motivar colaboradores, tentando manter as empresas de pé. Em meio ao furacão, eu me perguntava como iria pagar as contas e pressentia grande colapso financeiro. Mas parei e pensei que eu tinha que fazer alguma coisa. Não podia deixar meus colaboradores desmotivados, pois deveria dar a eles força e esperança de continuidade do emprego. Em abril, lancei o movimento com a ajuda de uma sobrinha, Thais Freitas.
Não foi muito pouco tempo para tomar todas as providências? – Eu havia projetado para lançá-lo ano que vem, mas constatei que a melhor oportunidade seria agora. E ele veio com muita força, impulsionando o objetivo de ajudar as pessoas a passarem por essa tempestade. Todos nós estamos nessa tempestade, mas cada um em um barco diferente. Os empreendedores estão em um barco de pescador. Se não remarem, muitos irão afundar. Enfim, o empreendedor é o que mais está sofrendo e eu quero ajudar de alguma forma, dando dicas, força e coragem. Acredito que esse movimento vai transformar vidas.
Quais as principais dicas dadas aos pequenos empreendedores? – Primeiro, todos têm de saber o real significado da palavra empreendedorismo. O empreendedor é aquele tipo de pessoa que sai da zona de conforto e consegue se organizar, contrariando o senso comum com inovações, seja na forma de pensar ou de agir. Isso impacta o mercado de maneira muito positiva.
Em que você se inspira? – Costumo citar o exemplo do Fiat 147, o primeiro carro movido cem por cento a álcool a ser comercializado, há 40 anos. Foi uma grande inovação, uma solução mais barata e ecológica do que a gasolina, em uma época de altas e crises do petróleo, quando o consumidor não estava mais comprando carro novo. Outro exemplo é o da Nutella, a pasta de chocolate de avelã desenvolvida pela confeitaria Ferrero como alternativa de produzir o chocolate com baixa concentração de cacau, matéria prima que naquela época, em plena segunda guerra mundial, estava em falta no mercado.
E como você orienta os seus seguidores? – Sugiro para as pessoas que estão em dificuldade que criem algo novo dentro de seu negócio. Criar algo novo não significa ter gastos com custo. A pessoa pode perguntar: “Como vou criar se estou apertada?”. Criar algo novo pode ser um atendimento novo, um conceito novo, um novo valor dentro da empresa, se reinventar. Porque depois que tudo isso passar, ele estará conectado com seu cliente no novo normal.
E como você imagina esse “novo normal”? – Todos os especialistas falam que teremos um novo normal após a pandemia. Por isso, temos de mudar nossa maneira de agir como empreendedor, como pessoa, como cliente, como ser humano. E para mostrar que isso é possível, criei esse movimento na Internet para ajudar pequenos empreendedores a realizarem algo grandioso em suas vidas.
Quais os temas costuma abordar? – Nos vídeos, falo sobre propósito, marketing digital, empreendedorismo, valores, autorresponsabilidade, vendas, atendimento, conexão com o cliente, o que fazer para cativar clientes no novo normal do pós-pandemia e dou muitas dicas criativas e valiosas.
Qual tem sido o retorno? – O retorno foi muito rápido. Em 15 de abril lançamos o movimento nas redes sociais. Dois meses depois já temos quase 15 mil seguidores no Instagram. As pessoas têm comentado muito. Produzi, inclusive, uma camiseta. Está sendo um sucesso de vendas. Também sou convidada para várias lives e bate-papos. Em julho lançarei o meu primeiro e-book voltado para a área da beleza, nicho que domino, clientela que já conheço.
Qual o seu público-alvo? – Estou falando com todo tipo de empreendedor – aquele que vende água no semáforo, que tem salão de beleza, padaria, confeitaria, loja de roupa. Meu foco são os microempreendedores. E, com certeza, a partir do próximo ano estarei com livro novo na praça sobre empreendedorismo e também ministrando palestras para diversos segmentos empresariais.
Fale um pouco desse livro… – Vai ter o título “Sorte é o caralho!”. Esse é um lema que uso há muito tempo. Já empresária e cansada de ouvir das pessoas que as trajetórias de profissionais renomados eram mero produto da sorte, cunhei a frase que se tornaria emblemática do movimento que resolvi criar: “Sorte é o caralho!”. E vou usá-lo também no livro.
Você vai contar sua trajetória de vida pessoal também? – Sim. Ainda criança, presenciei a separação de meus pais, a perda da casa e tudo que tínhamos em uma enchente, em São Paulo. Sem nada, nos mudamos para o interior de Minas. Minha mãe peregrinou de Norte a Sul do país em busca de melhores condições de vida. Morei sozinha dos 14 aos 18 anos de idade e me mantinha ministrando aulas particulares, ganhando um real por hora/aula. Aos 18 anos, me mudei para Brasília e fiz de tudo um pouco para sobreviver. Cheguei a vender água e balinhas nos semáforos.
E como foi a guinada para se tornar uma grande empresária? – Depois de muitos percalços e trabalhos, já casada, em 2005 tornei-me franqueada do Instituto Embelleze, maior rede de franquias da América Latina. Trabalhei duro e consegui mais três franquias e hoje me considero uma pessoa realizada. Recebo o carinho e o respeito dos franqueadores, colaboradores, alunos e ex-alunos, especialmente porque levei o Instituto Embelleze, chefiado por mim, a ser premiado duas vezes como a melhor franquia do Brasil (2015 e 2018). E em sete foi classificada entre as melhores.
Para tantas conquistas, não é preciso ter sorte? – Tudo isso não foi produto da sorte, mas de muito trabalho, dedicação e foco nos objetivos. É isso que estou passando agora aos meus alunos, seguidores, colaboradores e microempresários.