Márcio Buzar
O debate sobre privatização de serviços públicos essenciais sempre será ideologizado, porque sempre traz no seu bojo questões de visão de mundo e deve ser contextualizado nas experiências de sucesso e fracasso. E, é claro, há sempre um pensamento politico por trás da concepção de como deve ser o rumo das sociedades. O modelo de privatização foi idealizado pelo grupo que historicamente adotou o discurso do Estado Mínimo, que deve se ater somente no cuidado da Saúde e da Educação.
Na década de 1980 se firmaram tais experiências nos governos de Ronald Reagan, nos EUA, e de Margareth Thatcher, no Reino Unido, depois se espalhando por toda a Europa. No começo, foi um entusiasmo. Privatizou-se de tudo – transporte, luz e água. Era fácil. Esses países tinham uma rede de serviços com infraestrutura pronta, que não carecia de grandes investimentos e dava lucro. Passados mais de 30 anos, a população cresceu, as cidades se expandiram e os investimentos das companhias privadas não aconteceram.
Não é fácil e custa caro fazer uma rede de abastecimento de água ou uma hidrelétrica em locais distantes. Mas como ficam as populações que moram mais longe e que geralmente são mais pobres? Sem serviços essenciais? Por isso, hoje, esses países estão remando de volta para o Estado os seus serviços essenciais. Muitas cidades nos EUA já reestatizaram as companhias de água. Na Inglaterra, os trens estão sendo reestatizados porque as passagens se tornaram tão caras que inviabilizou o negócio.
Na Itália, o custo da energia é tão alto que as pessoas descem dos apartamentos e vão para as praças se aquecer perto de fogueiras, como era antes da luz elétrica. Como pode um serviço tão essencial à vida não ser compartilhado por todos?
A empresa privada não tem o mesmo objetivo que as estatais. O Estado deve prover o bem-estar social. A empresa privada busca o lucro. Ela tem vantagens, como agilidade e liberdade para dirigir seus negócios. O Estado é mais lento pelas amarras da própria auto-burocracia. Mas só o Estado vai se sacrificar para entregar água e luz em comunidades pobres, distantes. A empresa vai abrir seus balanços financeiros e identificar que a comunidade não gera lucro e, portanto, não deve ser atendida.
A CEB não pode ser vista apenas pelo balanço financeiro, coisa que a iniciativa privada vai priorizar. Você acha que, privatizada, a CEB vai levar luz para o Sol Nascente, onde tem tantas pessoas pobres que, em geral, não conseguem pagar a conta de luz?
Na realidade, parte da CEB já está privatizada. Ela é uma Sociedade Anônima Aberta. O Distrito Federal não tem mais autonomia para solicitar a instalação imediata de uma rede de energia elétrica. É necessário um processo licitatório, que geralmente é demorado e nos deixa à mercê da qualidade das empresas que vão participar da licitação. Muitas das obras paradas em Brasília são decorrência da falta de autonomia do Estado sobre a CEB. Isso acontece no Sol Nascente, no Trevo de Triagem Norte e em Vicente Pires. Não por uma negação espontânea da empresa. É que o modelo atual de negócio não permite mais essa agilidade.
Mas isso não acontece com a CEB que cuida da iluminação pública. Nesta, ainda bem, o Estado tem uma certa autonomia e pode determinar a execução imediata dos serviços de uma praça, de uma escola. Ações básicas de um Estado civilizado.
O quesito do lucro é significativo para as empresas. Hoje, o valor mais alto do Kw/h no Brasil é no Amazonas R$ 1,07), seguido do Pará, Rio de Janeiro e Maranhão. No Maranhão, a Cemar foi privatizada há muito tempo e seus serviços deixam a desejar.
Lembro-me de um caso que exemplifica a prioridade no interesse público. Reuniram-se representantes de dez embaixadas que ficam próximàs à Vila Planalto com a Novacap, DER e CEB. Conseguimos atender com agilidade todas as reinvindicações deles: asfalto, drenagem, Iluminação e sinalização de vias. Porém, o que mais os embaixadores reclamavam era da falta de rede de internet no setor. Mas as companhias telefônicas, quando fizeram as contas para levar fibra ótica até as embaixadas, viram que não dava lucro. Até hoje as embaixadas estão sem internet de alta velocida.
O transporte público de ônibus no DF é todo privado. O serviço é péssimo. Mas durante anos os empresários enriqueceram. Alguns ficaram bilionários e o povo contínua acordando cedo e sendo amassado dentro de ônibus poucos e superlotados.
Durante as crises hídricas em São Paulo e no DF, quem deu resposta mais eficiente: o modelo semiprivado da Sabesp ou o 100% público da Caesb? Sem dúvida, Brasília foi mais eficiente. A Caesb foi rápida. Construiu a primeira Estação de Tratamento de Água do Lago Paranoá, fez a captação do córrego Bananal, retomou o complexo de Corumbá, entre outras ações. Já a Sabesp demorou mais de dois anos para tomar decisões importantes pois devia lealdade as seus acionistas.
Água e a luz são essenciais à vida humana, e nenhum povo deve abrir mão de sua autonomia. A CEB está cheia de defeitos – salários altos, ações em Bolsa de Valores e, o mais grave: o corporativismo, talvez o de maior custo para a população, que é a perda de visão dos funcionários do que é ser servidor público. Essa crise de identidade permeia em todos os órgãos públicos e precisa ser superada. É necessário recuperar o sentido de se fazer o bem, pois vivemos em sociedade.
Professor associado da UnB