Não é claro ainda o quanto a mudança no cálculo vai prejudicar os reajustes anuais dos repasses federais ao Distrito Federal por meio do Fundo Constitucional do DF. Há projeções de perdas que vão de R$ 19 bilhões a R$ 87 bilhões. Tudo depende da variação da inflação e da flutuação das chamadas despesas primárias da União.
Trocando em miúdos, a mudança é que o cálculo do FCDF deixa de ser atrelado ao crescimento da arrecadação da União e fica submetido ao limite daquilo que a lei define que o governo federal pode gastar. O fato é que haverá perdas e isso é dramático para a saúde pública do DF.
Isso porque a parcela do Fundo Constitucional aplicada na Saúde este ano representa 66% dos R$ 10 bilhões dos recursos destinados pelo GDF ao setor. A aplicação do dinheiro arrecadado diretamente pelo governo local na saúde caiu quase 30% de 2022 para 2023 – ou seja, agora o GDF reclama de que haverá diminuição nos repasses federais para segurança, educação e saúde, mas ele próprio fez isso no orçamento da saúde.
Este ano, do corte de R$ 1 bilhão do orçamento, R$ 342 milhões são da saúde. E o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2024, encaminhado pelo GDF à Câmara Legislativa, não traz previsão de contratações na saúde, o que indica que a pretensão do DF é continuar diminuindo o investimento em saúde.
Se não se consegue prestar uma assistência adequada à população agora, caso o crescimento do que se gasta não acompanhe o aumento da necessidade dos usuários do SUS no DF, a tendência é de que tudo piore. Por isso, o ideal seria o Senado Federal desfazer a mudança proposta no texto do novo marco fiscal aprovado pela Câmara dos Deputados.
Mas a mazela para a saúde no setor público não é só este que se refere especificamente ao Distrito Federal. Mesmo que o Senado mantenha o reajuste anual do FCDF do jeito que tem sido feito, a limitação dos gastos do governo federal continua afetando o segmento da saúde pública como um todo.
Aliás, esse marco e o anterior foram criados para limitar as chamadas “despesas primárias” do governo. Ou seja, os gastos com políticas públicas nas áreas de saúde e educação, incluindo gastos com o SUS e com o custeio das universidades, além de outros ligados à Previdência, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Seguro-desemprego. Também são primários os gastos com construção e manutenção de estradas e aeroportos.
Tanto quanto o “olho gordo” sobre o nosso Fundo Constitucional, esse debate fiscal não é novidade em relação à limitação dos gastos na área social. Desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988, existe um cabo de guerra da transição do período desenvolvimentista, da época de JK, para um estágio de construção de um Estado de Bem-Estar Social ao qual não chegamos.
O fato é que, seja na esfera local ou na federal, a saúde é sempre apontada como prioridade, mas sempre perde para interesses financeiros e de mercado na distribuição dos recursos orçamentários. E essa é uma mentalidade que precisa mudar, porque sem saúde – isso ficou demonstrado na pandemia da covid – a própria economia sofre e o desenvolvimento do país empaca.
Sem saúde da população, o país não tem saúde financeira.