Ricardo Nogueira Viana (*)
Em recente estudo, o IBGE indigitou que o Brasil tem 217 milhões de pessoas, entre: brancos, amarelos, indígenas, pretos e pardos. A pesquisa apresentou um recorde: 56% da nossa população é negra. Após a última estimativa, em 2012, houve um aumento dos que se autodeclararam pretos e pardos e uma diminuição da população branca.
A mudança não reflete o aumento da natalidade, mas da conscientização da população negra, apesar da timidez das ações afirmativas vigentes, que conseguiu vislumbrar, nos últimos 10 anos, um possível protagonismo e um futuro a construir.
Um país que sobreviveu a mais de 300 anos de escravidão e se propôs a fazer uma abolição não planejada, a qual, de forma intencional, manteve o negro às margens da sociedade, perdeu a oportunidade de ser uma grande potência e exemplo de democracia racial.
Definem-se negros as populações parda e preta. A primeira teve um acréscimo de 7,4 em 2012 para 9,1% em 2021. A segunda, de 45,6% para 47%. Há 134 anos, deveria se iniciar um novo marco na história brasileira, pois foi com vistas a atenuar a pressão que o país sofria por ser o último a manter a escravidão, que adveio a Lei Áurea.
Negros na rua, sem terra, sem dinheiro, sem instrução e sem destino. Livres, mas sob as amarras de uma elite que até hoje ocupa os espaços de poder. O retrato da covardia já se presumia, uma sociedade hierarquizada, estamental, onde o negro, na base da pirâmide, sucumbiu à pecha de dependente e incapaz.
Diante dessa superioridade imposta, surgem no pós-abolição teorias eugenistas e pseudocientíficas, influenciadas por padrões europeus, as quais aventavam que o sucesso da população brasileira adviria, principalmente, do seu embranquecimento.
A chacota contou com subsídios do governo brasileiro, que fomentou a imigração de outros povos, principalmente, italianos e japoneses. Além do apoio político, a tese contou com o suporte do médico brasileiro – João Batista Lacerda, o qual participou, em 1911, do Congresso Universal das Raças, e previu o embranquecimento como um objetivo a ser alcançado no Brasil. E ainda aventou que um século após teríamos o clareamento da população Brasileira.
Com a fusão de vários povos, a pesquisa do “expert” não passou de empirismo. O Brasil adquiriu contornos da mestiçagem. Entretanto, a cor que prevaleceu foi a negra.
Diante da repercussão dos dados do IBGE, acompanhei uma entrevista de uma jovem de cor parda, que se declarava branca. “Eu tinha medo, não era legal!”. Ela descreveu que após a política de cotas nas universidades começou a ver, paulatinamente, que se sentiu abraçada.
Para os negros, isso é pertencimento. Enxergar o seu semelhante, seja ou não parte do seu nicho, como integrante do seu grupo social, partilhando ideias, valores ou ostentando cabelos, roupas e costumes que também lhe concernem. É o negro orgulhoso de suas raízes e senhor do seu futuro.
A resposta da entrevistada diverge da previsão do médico João Batista de que atingiríamos o padrão europeu de raça, ou seja, seríamos uma nação branca em 100 anos. Foi justamente em 2010 que foi sancionado a lei 12.288 – Estatuto da Igualdade Racial, ato normativo, o qual visa garantir a igualdade de oportunidades à população negra, inclusive com ações afirmativas.
Dois anos após, adveio a lei 12711/2012, conhecida como a lei de cotas, a qual dispõe sobre acesso da população negra às universidades federais vinculadas ao Ministério da Educação.
O trabalho do IBGE também descreve um decréscimo da população branca de 46% para 43%. Diminuíram? É crível que não. O que aflorou foi a conscientização entre negros e pardos.
Embora em menor número, os brancos continuam detentores de vantagens e estratégias que não permitem e também excluem os negros de uma possível ascensão social. É o que a psicóloga Cida Bento denominou de pacto da branquitude, uma forma de preservação e manutenção de privilégios, visando manter o status quo.
Sim, os negros são a maioria. Mas ainda permanece uma diferença abissal entre as raças em nossa sociedade. Favelas, cadeias e subemprego têm cor. A estrutura, apesar das poucas mudanças, continua a mesma.
Há vários pontos a comemorar, mas também a perseguir, para que tenhamos a tão sonhada paridade de armas, ou, pelo menos, respeito. Estamos rompendo padrões psicológicos, afetivos e até físicos, que nos foram impostos. Iniciamos uma segunda abolição.
(*) Delegado-Chefe da 6ª DP, Professor de Educação Física.