A Reforma Administrativa é necessária. Quanto a isso, não há dúvidas. É evidente que há, no Brasil, uma crise fiscal, com elevado déficit público, que se agravou, neste ano, diante da pandemia da covid-19. As obviedades são visíveis a olhos nus. O desconhecido, com o envio do texto da proposta de emenda à Constituição (PEC 32/2020) à Câmara Federal, é a incoerência entre discurso e prática.
Na teoria, fala-se em acabar com privilégios. No projeto que se pretende aprovar, a elite do funcionalismo público(procuradores, parlamentares e magistrados) segue intocada, enquanto a maioria dos servidores tem uma série de direitos ameaçados. Inclusive, com ameaça de congelamento de salários e até o corte de parte da renda mensal.
Nos debates sobre o texto, é preocupante a maneira como alguns parlamentares e o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, se referem à grande maioria dos servidores. Porque esses, que representam aproximadamente 80% da máquina pública, têm uma série de direitos adquiridos ao longo dos anos, sim, e sobretudo, têm deveres.
A estabilidade, por exemplo, sempre atacada por quem defende esta reforma apresentada, diz respeito à liberdade de servir ao Estado sem temer perseguições políticas. O objetivo principal da estabilidade, portanto, é evitar “cabides” de emprego, nepotismo e outras contratações arbitrárias que, com o sucateamento do serviço público, terão, certamente, seu espaço garantido na gestão pública.
Outro ponto a ser revisto nos debates sobre a Reforma Administrativa é a ideia de que o Brasil “tem muito servidor público”. Falácia. Na verdade, e uma rápida pesquisa pode provar isso, temos, aqui, menos funcionários do Estado (cerca de 1,6% da população) do que países desenvolvidos, como Noruega (30%) e Dinamarca (29,1), por exemplo. Portanto, não temos excesso de servidores. O que existe, de fato, é carência de ferramentas de gestão na estrutura das organizações. Isso, sim, é um problema da administração.
É importante lembrar, ainda, que, para reerguer a economia do País, há de se tratar de outras questões, como a diminuição da desigualdade social, com a retomada de empregos – hoje são 12,9 milhões de pessoas desempregadas no Brasil. Incentivo fiscal e impulsionamento da capacidade de empreender também entram nesta lista.
Além disso, acredito, é preciso rever a defesa eloquente de mais automação dos processos. Entram máquinas, saem pessoas. A lógica é bem simples: se o cidadão está mais pobre, o consumo e a possibilidade de empreender – essenciais para fazer a economia girar – caem.
Quanto aos ataques à maioria dos servidores públicos, sugiro um exame de consciência de gestão. Paulo Guedes defende que a Presidência da República e o Supremo têm que receber muito mais do que recebem hoje, “pela responsabilidade do cargo”. Imaginem a responsabilidade do cargo daqueles que, mesmo sem os insumos necessários no SUS, tentam salvar vidas diuturnamente?
A suposta economia de R$ 300 bilhões, em dez anos, às custas do sacrifício do servidor que está na ponta é, no mínimo, perversa.