Oficial de cavalaria, o general Paulo Chagas entrou para a política em 2018. Concorreu ao Palácio do Buriti pelo PRP, então coligado ao PSL, pelo qual Jair Bolsonaro se elegeu Presidente da República. Nesta entrevista, concedida pelo canal do Facebook do Brasília Capital, ele minimiza a ocorrência de tortura no Brasil durante os 20 anos pelo regime militar (1964/84) e admite falhas do atual chefe do Executivo na condução das decisões em relação ao combate à pandemia da covid-19. Chagas considera inevitável a aproximação de Bolsonaro com o Centrão para assegurar maioria nas votações no Congresso Nacional. Mas reforça que as Forças Armadas são uma instituição de Estado e não estão a serviço de qualquer governo.
O senhor foi candidato a governador em 2018 e apoiou o hoje presidente Jair Bolsonaro. O discurso de ambos era de uma “nova política”. Como o senhor vê agora a aproximação dele com o Centrão? – Realmente, fui candidato da coligação aqui em Brasília e nossa campanha tinha os mesmos propósitos. Não logrei êxito na empreitada, mas o presidente Bolsonaro conseguiu chegar ao posto. E, no meu entendimento, ele montou uma equipe de alto nível, talvez a melhor que tenhamos tido nos ministérios do Brasil dos últimos 30 anos, além de reduzir para 22 ministérios. Juntou especialistas nas áreas e abandonou a ideia do presidencialismo de coalizão. No entanto, faltou a percepção de que ele precisava ter uma nova maneira de atuar. Não bastava, simplesmente, ser o presidente, ter vencido as eleições. Exigia uma nova estratégia dentro do Congresso para fazer valer as suas propostas. Ele tinha uma base fixa parlamentar, um pouco mais de 50 deputados e senadores, o que não era suficiente. Era preciso um estudo de situação sobre como vai ser feito, que não aconteceu. O presidente apostou na popularidade dele e acreditou que isso seria o suficiente para intimidar o Congresso, o que não foi. O Congresso, realmente, no início, foi devagar, mas quando percebeu que a popularidade do presidente não era suficiente para intimidá-los ou para impor alguma coisa, houve um travamento no processo de articulação parlamentar, e o presidente teve de abrir mão de algumas das suas promessas e voltar a usar a mesma estratégia, a do chamado “centrão”, para que tivesse uma maioria e a possibilidade de fazer valer suas propostas no Congresso. Mas isso gera um preço, que o presidente não queria pagar, mas agora vai ter de pagar.
Nessa equipe “muito técnica” o senhor não acha que tem militar demais? – Não. De 22 ministros, 8 são militares. Na medida em que o Presidente foi precisando de mais competências ele foi buscando nos locais que sabia que iria encontrar. Nas Forças Armadas, o Presidente sempre vai encontrar gente com competência. E por competência eu quero dizer gente com conhecimento e experiência para trabalhar na administração pública. O Presidente foi na fonte que ele conhecia para buscar. Hoje ele tem 8 de 22. Não acho um exagero.
Praticamente um terço dos ministérios… – E se ele tivesse colocado oito médicos, seria um ministério medicinal, sanitário? Se ele tivesse convocado oito advogados, seria então judicial? Cada um vai à sua fonte. O Lula e a Dilma foram buscar bandidos, terroristas, corruptos etc. Então fizeram ministérios de corruptos. Os militares de Bolsonaro são todos capazes, treinados e experimentados na gestão pública, e capazes de ajudá-lo. Ele foi buscar pessoas comprometidas com o Brasil. O partido dos militares não é o PSL e nenhum outro partido, mas, sim, o Brasil. Ele foi buscar na melhor fonte ele que poderia ter, eu não tenho dúvida disso.
O Presidente e seus aliados têm defendido o fechamento do Congresso e do STF, ao que tudo indica sem apoio dos militares… – O que tem acontecido é que os apoiadores do Presidente, esses que estão até mesmo acampados agora na frente do Congresso, têm essas bandeiras do “fecha Congresso”, “fecha STF”, “faz intervenção militar”. “Fecha esses dois poderes e Bolsonaro vira um ditador”. O próprio Presidente já disse que não quer mais ouvir falar nesse assunto. Além disso, quando se fala “vamos fazer isso com os militares”, é uma ilusão, é totalmente fora da realidade. Os militares não participaram disso. Os militares estão com o Executivo, mas o (Rodrigo) Maia pode dizer a mesma coisa, os militares estão com o Legislativo, e o (Dias) Toffoli também, porque os militares estão com a democracia, com a República e com a Constituição. De acordo com a Constituição, qualquer um dos três Poderes pode requerer o uso das Forças Armadas. Se isso acontecer ao mesmo tempo, vamos ter de dividir as Forças Armadas em três. Isso é uma bobagem, uma ilusão. Militares estão comprometidos com a legalidade, com a legitimidade e com a tranquilidade do País. O comprometimento não é com A, B ou C. O comprometimento é com a Nação.
O senhor acredita que as Forças Armadas se manterão como ente do Estado e não de governo? – Como sempre. Como em 1964, quando as Forças Armadas se movimentaram para restabelecer a ordem e, principalmente, a disciplina e o Congresso acabou por aproveitar aquele movimento e declarou vaga a cadeira do Presidente e houve toda a mudança. Os militares, quando assumiram o poder, foi feito dentro do que estava previsto na Constituição. O Presidente abandonou o posto, o presidente do Congresso declarou vago o cargo de Presidente da República, o presidente da Câmara assumiu e algumas semanas depois houve eleição e elegeram o Marechal Castelo Branco como Presidente da República. E os militares assumiram, fizeram um governo como muito bem disse Jacob Gorender, comunista histórico, que afirmou que não aceita a acusação de que os militares fizeram um governo fascista. Fascismo está relacionado a um líder, a uma pessoa, ao culto a uma personalidade. No entanto, quem assumiu o governo depois daquela revolução, daquele golpe preventivo contra o golpe da esquerda, foi uma instituição, as instituições militares nacionais permanentes comprometidas com o Estado brasileiro e não com uma facção política existente no País.
Mas naquele período de 20 anos houve exageros, como torturas, mortes de pessoas contrárias ao sistema. E agora, membros do atual governo minimizam isso, como fez a secretária Regina Duarte. É possível naturalizar a tortura? – Vejo da seguinte maneira: foi feita uma revolução. Era um governo, necessariamente, autoritário porque em seguida começou a guerra contra o terrorismo. A esquerda se preparava para essa guerra há muito tempo. Tinha quadros preparados na China e em Cuba para fazerem a guerrilha e o terrorismo urbano. Consequência: se estávamos em guerra, tinha de haver morte, como houve. Em 21 anos de guerra, morreram menos de 500 pessoas. Hoje, no Brasil, morrem 500 pessoas a cada três ou 4 dias. Foi uma guerra muito controlada. E outra coisa: dizer que houve tortura, parte do princípio de que antes não havia. Passou a acontecer e depois do período do regime militar ela deixou de existir. E isso é balela. A tortura sempre existiu, continuou existindo. Em Guantánamo, na ilha de Cuba, tem uma prisão dos Estados Unidos, país mais liberal do mundo. Lá, para se conseguir informações necessárias para a segurança do Estado, as pessoas são submetidas a um interrogatório mais incisivo, que dentro dos parâmetros de direitos humanos, principalmente, aqui no Brasil, é considerado como tortura. Então não se pode dizer que o regime militar criou a tortura.
Mas o senhor concorda com a tortura? – Claro que não concordo. Não posso dizer que participaria de uma coisa dessas porque está, totalmente, fora dos meus parâmetros morais e éticos. De fato, posso dizer que nunca vi alguém ser torturado, nunca vi ninguém que tenha sido torturado e nunca vi ninguém receber ordem para torturar. Nada disso. Mas posso dizer, efetivamente, que essas coisas aconteceram. E também posso afirmar, sem saber de nada, sem ter nenhuma prova, que hoje há pessoas sendo torturadas no Brasil.
Mudando de assunto. Como o senhor está percebendo as atitudes do presidente Bolsonaro no combate à covid-19, negando a letalidade do novo coronavírus? O senhor concorda com ele, que as pessoas devem ir para a rua? – Ontem mesmo assistir um debate com dois médicos sobre esse assunto. Um dizendo que não precisa ter esse recolhimento das pessoas, como eu mesmo estou recolhido, e só sair quando extremamente necessário. Estou fazendo a quarentena a meu modo, em casa, e saio apenas quando necessário. De manhã, não abro mão, saio e vou fazer minha ginástica, meu exercício físico, porque mantendo minha rigidez física estou me prevenindo também. Em compensação, na parte da tarde e à noite, eu só saio se for, extremamente, necessário. Eu acho que o que tem faltado ao governo é que nós vemos que a área da saúde diz uma coisa e o Presidente, de fato, diz outra, ou pelo menos não endossa completamente, ou endossa um momento e em outro não. Então, não há uma definição de postura da parte do governo. Não há um consenso do que tem de ser feito.
Mas esse “consenso” não deveria partir de um parecer científico? – Consenso significa reunir várias pessoas e chegar a uma conclusão, que não necessariamente será a ideia de cada um deles, mas cada um ofereceu a sua contribuição e o somatório dessas contribuições deu em alguma coisa que atende a todas essas propostas. Isso o governo ainda não tem. Isso eu considero que é uma falha. O Presidente tomou uma providência que considero importante e correta: a de colocar o general Braga Netto como chefe da Casa Civil. O general é experimentado e a última função que exerceu no Exército foi, exatamente, a de fazer o controle do Estado Maior do Exército. Ele tem essa experiência, esse conhecimento. Antes disso, ele tinha sido interventor no Estado do Rio de Janeiro. Acho que o Presidente chegou a essa conclusão, o que estava faltando, convidou o general Braga Netto para essa função e é o que está acontecendo neste momento. Porém, julgo que ainda não chegou ao ponto ideal, em que o governo comece a falar a mesma linguagem, todos os integrantes falando a mesma linguagem. Vimos o ministro da Saúde ser surpreendido em uma coletiva, dias atrás, com uma decisão do Presidente que interferia, diretamente, na sua pasta e que ele não tinha conhecimento. Então, ainda há falhas.
O senhor poderia estar na cadeira hoje ocupada por Ibaneis Rocha. O que faria de diferente do que já foi feito no enfrentamento à crise? Concorda com as medidas tomadas pelo governador? – Eu tenho que ser coerente com o que acabei de dizer. Não tenho todas as informações. Sou um cidadão brasiliense, vivo em Brasília e tenho título de eleitor daqui. Não tenho todos os dados do problema. O que sei é o que tem sido apresentado na imprensa a todo o momento. De modo que eu não me sinto em condições de julgar o que tem sido feito pelo governador. Se eu fosse falar alguma coisa hoje seria achismo e não gosto de achismo. Esse é um assunto de muita importância, de muita responsabilidade. Estamos tratando de vidas humanas, e não cabe fazer apostas. Acho que deveria ser assim ou assado. Acho que isso deve ser tratado com seriedade. O governador Ibaneis tem o secretariado dele, escolhido por ele, da confiança dele. Certamente, pessoas que ele entende que são especializadas em diversos assuntos pertinentes ao governo do DF. Com essa equipe, em uma discussão inteligente, disciplinada, acredito que ele receba as informações necessárias para a melhor tomada de decisão para a população. Não me sinto à vontade para dizer se ele está certo ou errado. Submeto-me às decisões dele como cidadão brasiliense.
Mesmo na base do achismo, o senhor tem alguma noção sobre como poderia ser feita a retomada da atividade econômica e a normalidade em meio à pandemia? – Temos vários problemas. A primeira onda era só de saúde; a segunda onda, que estamos vivendo agora, está atingindo a economia. É mais uma razão para chegarmos a um consenso, sem a ideia de um só. Cabe ao chefe – ao Presidente, aos governadores, prefeitos, ouvindo seus secretariados – chegar a uma decisão de consenso, e não uma decisão de “faça o que vocês quiserem que eu faço do meu jeito”. Não pode ser assim. A decisão do chefe tem de ser a decisão de todos. Todos têm de estar de acordo com ela. Todos têm de agir de acordo com ela. Temos de ter o que nós, militares, chamamos de “disciplina intelectual”. O chefe decidiu. Nós, que o assessoramos, tivemos oportunidade de dizer e mostrar nossos pontos de vista a ele. Tendo em mãos esses dados, ele tomou a melhor decisão. Então, vamos ter de fazer valer a decisão dele e jamais torcer para dar errado, boicotar ou torcer por um lado ou outro.
Podemos, então, traduzir essa “disciplina intelectual” em uma palavra: democracia. – Exatamente. Democracia. E que assim seja, amém!