Cristovam Buarque (*)
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Há apenas dez anos, o Brasil era um país emergente. O nome Brasil significava estabilidade monetária com crescimento econômico e proteção social; as reservas do pré-sal fariam o povo nadar em petrodólares e assim resolver todos os problemas, inclusive a educação de suas crianças; Prouni,FIES e políticas de cotas pagavam a histórica dívida social; e o Brasil tinha forte presença internacional.
Para alguns, já havia sinais de que essa situação tinha bases frágeis, limites fiscais, falta de educação, baixa poupança, limites ecológicos. Ou seja, indicava um esgotamento do modelo. Mas o humor nacional, insuflado pelo marketing e pela popularidade do presidente Lula, era de franco otimismo, anulando e ignorando os alertas.
Dezenas de economistas, políticos, intelectuais e jornalistas alertaram para os riscos à frente, mas as forças políticas no governo menosprezaram as críticas, e a opinião pública repudiou os críticos, preferindo o otimismo da ilusão.
Em poucos anos, o humor nacional mudou completamente. O esgotamento do crescimento da economia, os catastróficos déficits fiscal e cambial das contas públicas, a gigantesca corrupção explícita na Petrobras, com a suspeita de que exista também em outros órgãos, a ineficiência generalizada de gestão, a escassez de energia e água com risco de racionamento, a inflação corroendo especialmente o poder de compra dos salários e da Bolsa Família, a falta de qualidade no ensino superior, a persistência dos baixos indicadores na educação básica, o descumprimento das promessas de campanha, a violência urbana generalizada e o retrocesso da presença no exterior foram criando um clima oposto ao do Brasil emergente, como se o país estivesse reimergindo a seu estado de “subdesenvolvimento”.
Para completar essa realidade, o quadro político em nada ajuda. As forças no governo mantêm a arrogância dos anos do sucesso anterior, recusando-se a ouvir críticas, acreditando que os erros são invenção da mídia ou da oposição e que a verdade está no colorido do marketing oficial.
Há dez anos, a jovem democracia carregava pujança; os eleitores tinham orgulho do presidente carismático vindo das classes de baixa renda, quebrando cinco séculos de supremacia da nobreza; os partidos tinham solidez ideológica e alguns, até, vigor transformador. Em uma década, a promiscuidade tomou conta da política – entre políticos e partidos e entre aqueles com as demais forças da sociedade –, abrindo o caminho para a corrupção.
Agora, a população se exaspera com o divórcio entre o discurso do marqueteiro na campanha e o do Ministro da Fazenda no governo, e frustrada mobiliza-se nas mídias sociais, às vezes caindo na tentação de um discurso de impeachment. Assim como no discurso eleitoral as forças no governo ignoraram o dia seguinte às eleições, algumas forças descontentes estão ignorando o dia seguinte a um impeachment. A sensação é de que o governo não governa e o parlamento não parlamenta.
Com tantos problemas, não será possível saltar a crise e reorientar o futuro sem um debate amplo e sério, no qual o governo reconheça seus erros, as oposições ofereçam propostas e as forças políticas combinem uma agenda de ajustes econômicos com a garantia de direitos aos trabalhadores e massas pobres, com uma preocupação que vá além das próximas eleições.
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Mas esse não parece ser o quadro da política atual. Antes de voltar a emergir para uma nova sociedade, vamos precisar emergir para uma nova forma de fazer política, percebendo as nuances dos problemas, os limites ao crescimento, as necessidades de longo prazo.
Quando a realidade é vista em apenas duas cores e o tempo sentido apenas no presente, o sectarismo mata a lucidez e destrói a esperança. Sem lideranças políticas capazes de nos fazer um Brasil emergente de forma sustentável por décadas, nosso destino será persistir no quadro de país imergente – no atraso educacional, nos desequilíbrios fiscais, nos limites econômicos e sobretudo na insensibilidade política.
(*) Professor emérito da UnB e senador pelo PDT-DF.