“Não posso esquecer que, durante os 25 meses em que fui ministra, uma campanha sistemática e misógina ocorreu para desvalorizar meu trabalho, minha capacidade e minha idoneidade. Não é possível e não aceito como natural comportamento político dessa natureza”.
O discurso da agora ex-ministra da Saúde, Nísia Trindade, é mais uma má notícia para o governo Lula. O desgaste de imagem por trocar titulares em cargos na Esplanada é natural. Porém, neste caso, pode ter mais consequências no longo prazo.
Nísia afirmou, antes mesmo de sair, que estava passando por um processo de “fritura”, iniciado por veículos de comunicação, que parecem não estar em lua de mel com o governo.
Apesar de imputar à imprensa o desgaste que sofreu no Ministério, quando fala, durante a cerimônia de despedida do governo, que houve uma “campanha misógina” para desvalorizar o seu trabalho, Nísia dá um grande presente para os adversários de Lula em 2026.
Relembro uma pesquisa Datafolha, de 31 de maio de 2022, que mostrava que a rejeição ao então presidente Jair Bolsonaro (PL) era maior entre as mulheres. Em outro levantamento, de 6 de setembro de 2022, a manchete d’O Globo mostrava que “em todos os estados, mulheres reprovam governo Bolsonaro mais do que homens”. A matéria era baseada em números do Ipec.
Com base nisso, Lula trabalhou durante todo o período eleitoral a rejeição do público feminino ao adversário. Nos debates, quando aproximava-se das câmeras para olhar olho no olho do público, normalmente Lula falava com diretamente com a “dona Maria” e raramente com o “seu João”. Assim, subliminarmente prometia a presença de mulheres em cargos estratégicos do governo.
No início do governo, eram 11 mulheres. Com a saída de Daniela do Waguinho do Turismo, e a recente despedida de Nísia, o Lula 3 tem 9 ministras em um total de 37 ministérios. E as pastas comandadas por elas são identitárias, como Igualdade Social e Povos Indígenas.
Os ministérios mais relevantes – Fazenda, Previdência e Casa Civil, por exemplo – são ocupados por homens. Além disso, os dois ministros do Supremo Tribunal Federal escolhidos pelo presidente são homens: Cristiano Zanin e Flávio Dino.
Como se pode perceber, o objetivo deste texto não é analisar o trabalho de cada um dos ministérios – visto que não teria nem capacidade para tal –, mas sim, prever um movimento da oposição na campanha de 2026. Os adversários do PT terão muita munição para desconstruir o discurso progressista que a esquerda cria no que tange à igualdade de gênero.
Anotem e podem me cobrar.