No Antigo Testamento, Jezabel é descrita no Primeiro Livro de Reis como uma figura pagã, que casou-se com Acabe, rei de Israel, e corrompeu o seu coração. A ponto de o monarca promover orgias em seu reino e passar a cultuar outros deuses.
Embora essa passagem bíblica remeta a mais de vinte séculos passados, ela foi tirada das Escrituras Sagradas para embasar o processo de afastamento de um pastor que descumpriu a proibição peremptória de mulheres prestarem culto ou fazerem qualquer tipo de pregação no âmbito da igreja Presbiteriana.
Uma das igrejas mais importantes do País, é na Presbiteriana onde congregam personagens do governo atual, como o ministro-chefe da Advocacia Geral da União, André Mendonça, um dos cotados para assumir cadeira no Supremo Tribunal Federal, na vaga do ministro Marco Aurélio Mello, que se aposenta compulsoriamente por idade no próximo dia 5 de julho.
Mulheres banidas – Desde 2018, quando a igreja editou a resolução, a mulher membro daquela denominação religiosa está banida dos púlpitos e não pode pregar ou dirigir a Palavra em qualquer dependência dos domínios da Igreja Presbiteriana do Lago Sul.
Mas o pastor Marcelo de Oliveira Morais resolveu descumprir esse ato de pura misoginia e promover, desde que assumiu o controle do templo, uma série de atividades de inserção delas no comando da congregação. Resultado: ele acabou punido com a destituição do cargo.
Para justificar seu afastamento no Tribunal Eclesiástico, o acusador Alberto Jaegher de Carvalho, que é diácono na igreja, citou justamente a história de Jezabel. “Ele citou, na denúncia, a figura de alguém que seria comparada a Jezabel, dizendo que esta pessoa estava ensinando os homens daquela igreja a prestarem esse culto sexual a outros deuses”, narrou Marcelo, que é marido de uma irmã de Igreja Presbiteriana do Lago Sul (IPLS), a qual, segundo o pastor, foi o alvo da comparação com a personagem bíblica do Antigo Testamento.
Isso porque a mulher do pastor Marcelo era bastante atuante, chegando a pregar passagens das Sagradas Escrituras para alguns irmãos e a discursar em reuniões da comunidade evangélica, o que é terminantemente proibido pela IPLS. “Ela não estava atuando em nada na igreja. Ela prega ministério das mulheres. Agora, estou impedido de exercer meu ministério, recebendo um quarto do que recebia antes. Afetaram meu orçamento familiar”, lamenta.
Congresso, casamento e demissão
O religioso Marcelo tem 20 anos de dedicação à igreja. Em 2018, foi designado a substituir um pastor da Igreja Presbiteriana do Lago Sul, que tinha deixado a congregação. Seu mandato terminaria em dezembro do ano seguinte, mas acabou destituído do cargo em abril daquele ano, após realizar vários eventos dedicados às mulheres, com um congresso voltado para elas.
Na sua gestão, permitiu que uma irmã da igreja se casasse nas dependências do templo religioso. Foi, aliás, nesse evento que, pela primeira vez após a resolução de 2018, uma mulher, no caso a noiva, voltou a falar para a massa religiosa daquela igreja e no altar.
O fato pegou mal e foi a gota d’água para Marcelo. A cúpula da igreja resolveu reunir o Tribunal Eclesiástico e pedir o afastamento dele. “Antes, fizeram uma reunião comigo em que fui coagido a assinar um documento passando o controle da igreja para o grupo atual”, narra. “Fui apelidado de o defensor das causas feministas”, emenda Marcelo.
Agressão com inseticida
A Igreja Presbiteriana do Lago Sul, que chega a contar com 200 membros, possui um patrimônio de R$ 60 milhões, segundo o ex-pastor Marcelo de Oliveira Morais. Ela está atualmente sob a tutela de Jaílson Gomes, que entrou no lugar dele.
Os fatos narrados nesta reportagem não foram os únicos casos de misoginia na Igreja Presbiteriana do Lago Sul. Já na ascensão de Jaíson, duas funcionárias da Secretaria chegaram a ser agredidas por um membro da igreja.
Segundo relata o vice-presidente da Associação de Membros, Fundadores e Amigos da Igreja Presbiteriana (Ami) do Lago Sul, Antônio Carlos Silva Peixoto Filho, o episódio envolve o hoje tesoureiro Alberto Jaegher de Carvalho, o mesmo que comparou a mulher de Marcelo com a personagem bíblica Jezabel.
A agressão ocorreu porque as funcionárias se recusaram a dar a Alberto um computador usado por Marcelo e que estava lacrado para a Justiça analisá-lo tão logo o processo fosse aberto. “Alberto chegou perto delas e borrifou inseticida no rosto das mulheres. Uma delas é asmática e ele sabia disso”, conta Antônio Silva.
Misoginia e Justiça dos homens
Enquanto espera a justiça divina para punir os autores de atos de misoginia, que contraria todas as Leis de Deus, Marcelo aguarda um desfecho também na Justiça dos homens. Ao ser afastado da igreja, Marcelo resolveu levar o caso para a Justiça comum, onde tramita um processo no Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT).
Além disso, sua mulher registrou uma ocorrência por injúria, calúnia e difamação na 10ª Delegacia do Lago Sul contra o Alberto Jaegher de Carvalho, o mesmo que a comparou com Jezabel, a personagem bíblica. “Essa gestão é descalabro permeado por cenas de misoginia dentro da Igreja Presbiteriana”, desabafa Marcelo de Oliveira Morais.
Até a publicação desta reportagem, o Brasília Capital não havia recebido resposta do Pastor Cléber, responsável pela Igreja Presbiteriana, sobre as acusações do pastor Marcelo Morais quanto à resolução do Colégio Eclesiástico de 2018 e a agressão do diácono Alberto Jaegher de Carvalho às funcionárias que dizem ter sido atacadas com inseticida.
(*) Especial para o Brasília Capital