A grande mídia perdeu, nos últimos dias, uma oportunidade de se redimir de mais um equívoco da história recente do Brasil, no qual a imprensa foi omissa – num primeiro momento devido à censura e, depois, por conveniência.
A morte de Zagallo, na sexta-feira (5), seria o momento de se reconhecer os feitos do Velho Lobo e, também, de corrigir um erro que ele não teve humildade de fazê-lo em vida: a importância de João Saldanha na conquista da Copa do Mundo de 1970.
Saldanha foi quem montou o super time em 69, após o fiasco na Inglaterra em 66. Mas acabou demitido do cargo de técnico três meses antes do início da Copa por divergir do general Médici, o ditador de plantão.
Respeitado cronista esportivo, Saldanha era comunista declarado. Esteve preso mais de dez vezes, mas foi escolhido técnico da seleção com a anuência de Costa e Silva, o antecessor de Médici.
Comandou o Brasil em 17 jogos. Ganhou 14, empatou um e perdeu dois. O escrete titular reunia craques como Carlos Alberto, Clodoaldo, Gérson, Rivellino, Jairzinho, Tostão e Pelé. Mas Médici queria Dadá Maravilha, um artilheiro perna de pau, pelo menos na reserva.
“Ele escala o Ministério, eu escalo a Seleção”, reagiu Saldanha ao desejo do general. Foi demitido duas semanas depois. Zagallo, um alienado político, foi o “eleito” do sistema para a vaga. Teve a sapiência de dar sequência ao trabalho, mas nunca a grandeza de reconhecer a importância do antecessor.
O Velho Lobo desmanchava-se em declarações de patriotismo e de amor à “amarelinha”. Porém, jamais se posicionou sobre os crimes dos militares, como torturas e mortes de opositores do regime – qualquer semelhança com ídolos do futebol atual é mera coincidência.
Sob o comando de Zagallo, a seleção repetiu no Mundial o feito das eliminatórias com Saldanha: venceu as seis partidas, culminando com a goleada de 4 a 1 sobre a Itália na final. Já de volta ao ofício de jornalista, Saldanha comemorou o feito dos ex-comandados. E escreveu:
“A vitória extraordinária do Brasil foi a vitória do futebol que o Brasil joga, sem copiar ninguém, fazendo da arte dos seus jogadores a sua força maior e impondo ao mundo futebolístico o seu padrão, que não precisa seguir esquemas dos outros, pois tem sua personalidade, sua filosofia, e jamais deverá sair dela. O futebol que nós gostamos de ver e aplaudimos e que o mundo ontem teve de se curvar”.
Isto mostra porque Nelson Rodrigues, um direitista assumido, apelidou Saldanha de “João Sem Medo”. Às vezes, a humildade de reconhecer o mérito do outro demonstra mais coragem do que a determinação de enfrentar ditadores. Saldanha fez as duas coisas.