Em seu 64º aniversário, Brasília ganhou de presente a obra de restauro da Praça dos Três Poderes, que abriga importantes e tradicionais monumentos, como Os Guerreiros (ou Os dois Candangos), de Bruno Giorgi; e a estátua da Justiça, de Alfredo Ceschiatti.
Rica em monumentos, a começar pelos palácios projetados por Oscar Niemeyer, a cidade é considerada um Museu a céu aberto. Que mensagem, contudo, esses monumentos transmitem às novas gerações, em especial os brasilienses que vivem em comunidades carentes?
A sensação é que há uma desconexão. Indiretamente, a artista plástica Júlia dos Santos Baptista identificou que, para as crianças, os valores que retratam “o monumental” são bem diferentes dos referenciais dos grandes artistas.
Filha de Ceilândia, hoje radicada na Holanda, todos os anos Júlia vem a Brasília e realiza oficinas artísticas com crianças de escolas públicas. Nessas atividades, ela mostra como retrata, em seus trabalhos, ângulos da cidade.
Assim, pintou os Dois Candangos com chapéu de couro nordestino e a Igrejinha de Fátima é vista como um arraial, cheia de bandeirinhas juninas. Ao término de sua apresentação, a criançada é convidada a desenhar um monumento, de livre escolha. Aí o resultado surpreende a todos.
Quem espera desenhos da Torre de TV, da Catedral, ou do Alvorada, se decepciona. Até porque, muitas das crianças nunca estiveram no Eixo Monumental. Brasília, para elas, é o que aparece na TV. Tão distante quanto é Paris ou Tóquio.
Os monumentos pintados por crianças de dez a doze anos, de cidades como a Estrutural, Ceilândia ou Riacho Fundo são completamente diferentes. Quem imagina que surgiriam formas influenciadas pelos vídeos de ficção, pela linguagem cibernética, também se enganou.
Eles retratam thelos, sonhos, objetivos, que do cenário de carência em que vivem, almejam conquistar. Algo que, aos olhos do adulto, seria considerado fantasioso, utópico. “São janelas para o seu mundo interior, onde a imaginação, que não lhe impõe limites, ganha vida, cores e as formas contam histórias verdadeiras sem palavras”, avalia Júlia.
Assim, das folhas brancas de papel surgiram, por exemplo, árvores que frutificam barras de chocolates. Em outras, se transformam em cédulas de dinheiro. Ainda na Estrutural, foi desenhara a “Caixa do Dinheiro Eterno”.
Houve, ainda, a “caverna das frutas vermelhas”. Indagado sobre a motivação desse desenho, o desejo de provar frutas vermelhas, como morango e framboesa, se revelou como a principal inspiração.
Em outra tela, uma espécie de obelisco foi desenhado e seus adereços eram animais diversos: aves, mamíferos, répteis. O obelisco foi entendido como uma exaltação à natureza.
Meio-ambiente parece ser uma preocupação desses brasiliensezinhos: no Riacho Fundo, o córrego que nomeia a cidade ganhou destaque, com árvores, e sobre uma delas um homem com facão. Na Ceilândia, o menino desenhou uma árvore com “flores especiais” e justificou que a cidade precisa de áreas verdes.