A militarização de escolas públicas já se mostrou um engodo do ponto de vista educacional, e também, como apontou a Proeduc (Promotoria de Justiça de Defesa da Educação do Ministério Público do DF) em nota técnica, uma afronta aos direitos constitucionais ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao pluralismo político. Agora, a militarização se mostra, também, um bom negócio que rende milhões.
Reportagem do portal Metrópoles revelou que pelo menos 10 municípios firmaram contratos, sem licitação, com a Associação Brasileira de Educação Cívico-Militar (Abemil). Somados, esses contratos chegam a R$ 11 milhões em 5 anos de atividade.
A Abemil foi fundada e é presidida pelo capitão Davi Lima Sousa, militar reformado que já disputou duas vezes, pelo Distrito Federal, uma vaga na Câmara dos Deputados, sempre por partidos ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
Não se elegeu, mas demonstrou que desempenha atividades de lobby com muita desenvoltura: viaja o País para se reunir com deputados federais, estaduais e prefeitos para convencê-los a levar as escolas cívico-militares para suas cidades; e circula pelo Congresso Nacional com esse mesmo objetivo.
A intenção do Capitão Davi não parece ser apenas ideológica. Ele busca contratos com prefeituras para orientação técnica e outros serviços referentes à implementação de escolas cívico-militares, participa pessoalmente de audiências públicas e faz reuniões com vereadores e prefeitos.
No site da Abemil há até um passo a passo que orienta o município sobre o que fazer para levar a associação para atuar lá. A maior parte das cidades atendidas pela entidade é de pequeno porte, tendo de 5 mil e 85 mil habitantes. Mas há na lista também cidades médias como Codó (MA) e Uberlândia (MG), que têm uma escola conveniada com a Abemil cada uma.
Para se ter uma ideia, a cidade de Porto dos Gaúchos (MT), que tem apenas 5,5 mil habitantes, contratou a Abemil por R$ 1 milhão, de acordo com a reportagem do Metrópoles. Buritis (MG), com 25 mil habitantes, pagou R$ 1,7 milhões à entidade, segundo a mesma fonte.
Nos projetos de lei municipais criados com o lobby da Abemil, a própria associação é autorizada a escolher quem serão os funcionários que vão trabalhar nas unidades de ensino. De acordo com os editais disponíveis no site da associação, não há exigência de experiência com educação para militares que ocuparão as vagas de subcomandantes nas escolas.
Para o deputado distrital Chico Vigilante (PT), a reportagem do Metrópoles desvelou mais uma afronta à democracia promovida pelos defensores da militarização de escolas: “A venda do modelo educacional cívico-militar precisa ser investigada, com urgência, pelos órgãos competentes, os envolvidos afastados e a punição rigorosa”, considera Chico Vigilante.
“O combate tem que ser feito na raiz do veneno. Não há debate contra a exploração da educação pela extrema direita. Não há debate contra a extrema direita venenosa. Com a educação não se brinca”, completa o deputado.
O Sinpro entende que a existência da Abemil e sua atuação junto a prefeituras eram previsíveis, uma vez que os grandes defensores da militarização são os mesmos que se identificam com discursos extremistas, como escola sem partido e homeschooling.
“Agora ficou escancarada a relação entre militarização de escolas e privatização da educação”, aponta a diretora do Sinpro, Márcia Gilda. “Os recursos empenhados por municípios para contratar a entidade desse senhor poderiam ser utilizados para impulsionar uma educação de fato de qualidade, com profissionais valorizados, estrutura e materiais pedagógicos adequados”, conclui ela.