Peniel Pacheco
O Pleno do STF analisou nesta quinta-feira (8) uma questão que eu considero ser mais um dos muitos falsos dilemas que têm sido aventados por aí em tempos de pandemia. Trata-se da polêmica entre a manutenção do funcionamento normal dos templos de qualquer confissão (que restou proibida pelos ministros por 9 votos a 2), sob o argumento de violação da liberdade religiosa, em oposição ao direito das autoridades competentes estabelecerem restrições às aglomerações, inclusive em igrejas teatros, estádios, boates, casas de show etc., sob a justificativa da contenção do agravamento da pandemia.
Segundo meu modesto ponto de vista, não há que se falar em restrição da liberdade religiosa por parte de qualquer ente estatal. Também não há que se admitir que a realização ou não de culto fique submetida ao desejo ou permissão particular ou unilateral de qualquer agente público (embora se saiba que muitos religiosos, especialmente os mais exaltados, adorariam se outros templos fossem fechados ou barrada a realização de cultos de ordens ou confissões religiosas não cristãs – tudo em nome da própria fé).
Apesar desse direito ser positivado de maneira a não restar a menor dúvida quanto à sua aplicabilidade, há casos em que tal liberdade possa ser momentaneamente suprimida. Exemplo: um templo com falhas na estrutura com sério risco de desabar a qualquer momento colocando em perigo as vidas dos próprios fiéis, não só pode, como deve ser interditado pela Defesa Civil.
Outro exemplo: uma comunidade religiosa que, porventura, esteja celebrando seus cultos por meio de práticas criminosas, como sacrifícios ou abusos contra a dignidade e a integridade física de alguém (ainda que com o consentimento da vítima ou de seus responsáveis).
Penso que não haja discordância em relação a tais fatos, pois os mesmos se enquadram dentro daquilo que se denomina de “excessão à regra”.
Dito isto, é de bom alvitre considerar que uma pandemia não é uma ocorrência normal. Ela está classificada como situação anômala de graves consequências para a humanidade (terremotos, erupções vulcânicas, maremotos, furacões etc. também se enquadram em situações trágicas que provocam graves danos, os quais colocam em risco a segurança da população).
A considerar tais fatos como dignos de tratamentos especiais, tanto do ponto de vista administrativo, quanto jurídico, há sim margem para que se estabeleça critérios capazes de manter ou não em funcionamento os ofícios religiosos de quaisquer credos (não apenas os cultos cristãos, como se tenta fazer transparecer no presente momento).
Parte-se do pressuposto de que a religião é parte importante do conjunto da sociedade justamente por propugnar pelos valores e princípios que asseguram o direito à vida, sendo este direito mais precioso do que o mero ativismo religioso, por si só.
Até o próprio Cristo condenou o zelo exacerbado dos fariseus quanto à guarda do sábado, considerando tal radicalismo como algo desprovido de amor ao próximo, especialmente quando se tentava impedir a cura de um enfermo – tratamento que não era negado, nem mesmo a um animal de carga, por evidente interesse econômico. A expressão “o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado” bem pode elucidar o que está em análise aqui.
A liberdade religiosa existe em favor da vida ou da morte? O Evangelho é destinado a salvar o homem ou a expô-lo ao risco iminente de contágio ou de morte? Queremos ser livres para anunciar a nova vida por meio do sacrifício de Cristo ou pregamos um novo sacrifício por meio da exposição dos fiéis ao coronavírus como um ato de “heroísmo” ou de puro fanatismo religioso?
No caso em comento, não é o diabo nem o comunismo (como querem insinuar) que desejam fechar as igrejas para impedirem a liberdade de culto, mas, ao contrário disto, as autoridades sanitárias que percebem o grave risco de propagação descontrolada do coronavírus causando sobrecarga nos serviços públicos e privados de saúde, como se pode constatar a olhos vistos.
Parece-me, salvo melhor juízo, que a maior prova de fé não reside no confronto deliberado contra as orientações das autoridades competentes, mas, isto sim, no fato de se ousar a viver a plenitude do Evangelho independentemente de ter de deixar de cumprir momentaneamente um ritual religioso em um templo, por mais legítimo que isto seja.
A igreja viva está em toda parte, inclusive no templo. Mas, caso este venha a faltar, o Corpo Vivo de Cristo – como é tratada a Igreja nas Escrituras – saberá exercer sua fé onde quer que esteja, inclusive na reclusão do lar, na esperança bíblica de que “praga alguma chegará à sua tenda…” (refere-se à casa e não ao templo).Esta é, a meu ver, a verdadeira liberdade religiosa – servir a Deus e ao próximo mesmo quando pareça improvável.
A Constituição brasileira garante a liberdade de culto, mas ainda que tal liberdade venha a ser suprimida (de forma justificada ou não) os verdadeiros cristãos não deixarão de honrar e servir a Deus, aconteça o que acontecer. Afinal, somos livres para servir e não para sermos servidos.
De nada adianta mantermos os nossos templos abertos se as mentes e os corações permanecerem fechados e indiferentes às dores dos que padecem.