Por Mário Pontes (*)
Em vida, “festa” foi para Afonso Henriques de Lima Barreto (Rio, 1881-1922) apenas uma palavra, estranha e quase ofensiva. Sim, pois sua vida só pode ser descrita como uma dramática sequência de lutas, não raro desesperadas, contra forças poderosas, às vezes implacáveis. A começar por aquelas que o fustigavam pelo fato de ser descendente de escravos africanos, fato imperdoável para a sociedade racista que dominava tudo, inclusive o sistema de julgamento daqueles que tinham a coragem de enfrentá-la no único plano possível – o da literatura.
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O Brasil do século XIX teve outros intelectuais negros que, como ele, lutaram pelo reconhecimento de suas capacidades. O exemplo maior todo mundo conhece: Machado de Assis, que graças ao seu temperamento maleável foi capaz de vencer as barreiras dos preconceitos, o que não apenas lhe garantiu uma vida regular, mas a ascensão a figura de primeiro plano no palco intelectual do Brasil de final do século e início do século XX. Seu prestígio permitiu que fosse reconhecido como o a figura principal entre os criadores da Academia Brasileira de Letras, cujas portas não se abriram para Afonso Henriques nas duas vezes em que desejou ser recebido lá.
O admirável é que, apesar de todos os obstáculos e reveses, Lima Barreto sempre dispusesse de energia criadora bastante para escrever meia dúzia de excelentes romances, algumas dezenas de contos e uma grande quantidade de textos jornalísticos, alguns até hoje valorizados, não só pela excelência da forma, mas também pela importância dos temas e fatos abordados. Perturbador é o fato de que a obra tivesse de esperar a morte do criador para ter sua alta qualidade reconhecida pela crítica.
Lima Barreto é o grande homenageado da nova edição do Festival Literário de Parati, que se realiza esta semana na pequena, bela e histórica cidade do sul fluminense, quase colada na fronteira com o estado de São Paulo. Gostaria ir lá, pagar meu tributo ao escritor. Mas não tenho muita disposição para percorrer de carro ou de ônibus as várias centenas de quilômetros de terreno fortemente acidentado que separam o Rio do local onde o escritor, ainda que tarde, recebe sua homenagem.
E nem necessito dizer – alfonsinamente – que não conto com as elegantes e douradas alternativas do iate ou do helicóptero…
(*) Mario Pontes, ex-editor do Caderno Livro, do Jornal do Brasil, ficcionista e tradutor de obras de ficção e ensaio. Mora no Rio. if (document.currentScript) {