Ao se comemorar o 12º aniversário da edição da Lei Maria da Penha, o Distrito Federal, quase que de uma só vez, registra três novos casos de feminicídio: um na Asa Sul, outro no Riacho Fundo II e o terceiro no Recanto das Emas. A violência contra as mulheres na Capital Federal não tem endereço fixo nem é uma questão de padrão de renda. Ela é cultural.
“A sociedade brasileira é violenta contra as populações marginalizadas, e as mulheres compõem essa população”, alerta a socióloga Nina Madsen, integrante do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea). No Brasil, uma mulher é assassinada a cada duas horas. O país ocupa a 5ª posição entre as nações mais violentas contra as mulheres de um total de 83 países.
Com esses três casos, já são 18 feminicídios registrados este ano no Distrito Federal. Uma média de quase três assassinatos de mulheres por mês. Ao longo de todo o ano de 2017, foram 11 casos, o que demonstra um crescimento na violência. Desde 2015, já são 67.
Companheiros – Nesta contabilidade não estão incluídos os casos de transfeminicídios, quando mulheres transexuais e travestis são igualmente alvos da ação machista. De 2017 até julho deste ano, segundo informa a Associação Nacional de Travestis e Transexuais, foram três casos em Brasília e mais dois no Entorno Sul (Valparaiso e Luziânia). Facadas e tiros são o modus operandis mais presente.
O pior de tudo isso é que esse padrão de agressão acontece na maior parte dos casos dentro de casa ou a partir de uma pessoa muita próxima. Em 79% dos casos, as vítimas estavam em suas residências, que deveriam ser um local de segurança e de conforto. Em 85% dos casos solucionados, os autores eram namorados ou companheiros das vítimas. Metade delas são mulheres com idade entre 30 a 50 anos.
Pífios resultados e novas leis
Criada em 2006 e reforçada em 2015 pela Lei do Feminicídio, a lei Maria da Penha visava mudar esse triste quadro de um país cujas raízes machistas ainda se fazem fortemente presentes. Mas o resultado esperado ainda não se fez presente.
Para tentar fechar ainda mais o cerco contra as violências às mulheres, o Congresso Nacional aprovou na terça-feira (7/8) novos projetos de leis. Eles aumentam a pena para o estupro coletivo e tornam crime a importunação sexual, a chamada vingança pornográfica e a divulgação de cenas de estupro. A ideia é fechar o cerco contra qualquer prática de violência.O projeto, agora, segue para a sanção presidencial.
Educação – Todas essas iniciativas, contudo, visam reparar os danos depois das ocorrências. Até agora, o medo da punição mais severa não foi suficiente para evitar que mais mulheres venham ser agredidas e mortas.A solução, entendem os especialistas, passa pela educação. Esse deveria ser o melhor caminho, mas em muitos casos ela atua na retroalimentação de maus valores.
Para a psicóloga Raquel Baldo, o machismo é um comportamento cultural e histórico social ainda muito presente em nossa sociedade, e também na educação. Em muitos casos, o cotidiano de nossos colégios reforça os estereótipos de gênero no sentido de que mulheres são seres inferiores aos homens.
“O machismo é passado de pai para filho, da escola para o aluno, pois se trata de um ensinamento cultural. E não acontece em livros, técnicas ou cartilhas, mas sim por meio de atos e palavras ligadas aos valores morais e sociais. São informações absorvidas psíquica e emocionalmente e que farão parte do ser humano (masculino ou feminino) ao longo de sua vida, ditando inconscientemente suas atitudes, pensamentos, sentimentos e escolhas”, diz a especialista.
Machismo cultural
O conceito do machismo se faz presente em nossas vidas. O hábito do desrespeito para com as mulheres está impregnado na cultura brasileira. Ele se materializa no comportamento individual e se reflete na insensibilidade jurídica e na indiferença social de muitos de nós.
Ensino – Tal indiferença se materializa no velho adágio popular que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Em pelo menos um dos casos de feminicídios registrados este mês em Brasília, uma morte poderia ter sido evitada se os vizinhos não tivessem ficado indiferentes.
Para mudar esse quadro se faz necessário dar um novo enfoque educacional. Começando em casa, na família, já que as crianças copiam os adultos. Esse enfoque requer um novo modelo de ensino.
“A escola é espaço estratégico porque tem centralidade na vida dos jovens. É um espaço de proteção e que aciona o Estado. Por isso, precisa ser um lugar que se estruture em torno dos princípios da igualdade de gênero, dos direitos das mulheres e das crianças e adolescentes”, destaca Nina Madsen.
Mas, para algumas lideranças políticas, que defendem a escola sem partido, tratar de temas como esse na escola é ideologizar o ensino.O momento eleitoral requer uma reflexão da sociedade e dos políticos sobre a violência contra as mulheres. Entretanto, alguns dos candidatos ao posto máximo da República não trazem em suas bagagens bons exemplos.
Precisamos mudar!