Gutemberg Fialho (*)
O SUS é uma revolução. Sobre isso não há dúvida. Como defensor do Sistema Único de Saúde, posso afirmar, com convicção, que, sem ele, a garantia de direito à saúde no Brasil, ainda que precária, não existiria nem no papel.
No entanto, e apesar disso, lamento a política de improvisação neste solo sagrado – sem compromisso com o futuro. É o que acontece no Distrito Federal com o anúncio da construção de três hospitais e duas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) a partir de 2023.
Na semana passada, circulou nas redes sociais um vídeo mostrando momentos em que a chuva invadiu a UPA de Ceilândia. Logicamente que pacientes do local precisaram se mobilizar para não serem atingidos pela água que escorria das luminárias.
Um dos comentários da publicação dizia: “Isso define o governo! Ninguém vive de obras! E nem come tijolos! Saúde tá um caos…”. É neste ponto que quero chegar: a construção de novos hospitais e UPAs vai resolver o problema da saúde no DF? A resposta é não. E o cidadão usuário do SUS sabe disso. Erguer prédios é estratégia para inglês ver.
Em janeiro deste ano estive no Hospital do Sol. Você conhece? Fica no Sol Nascente, Ceilândia. Mas, apesar de ser chamada de “hospital”, a estrutura não se aproxima nem de uma UPA. É um galpão, sem atendimento aberto à população, no qual funciona uma enfermaria avançada. Faltam, ali, equipamentos e corpo clínico, incluindo médicos especialistas, para suprir a demanda.
Temo que a intenção seja erguer, a partir de 2023, novos hospitais do Sol. E, sem olhar para a situação de descaso das atuais, novas UPAs não funcionarão com déficit de profissionais, equipamentos e insumos.
Os hospitais, anunciou o GDF, devem ser erguidos no Guará, em São Sebastião e no Recanto das Emas. Na primeira RA já existe um hospital. No entanto, o Hospital do Guará vive às moscas. É mais um retrato do descaso com a saúde do DF, onde sequer há lâmpadas suficientes para o atendimento digno à população.
Uma das UPAs, segundo os “planos” do governo, também ficará no Guará. A outra, na Estrutural. Hoje, o DF conta com 16 hospitais – 5 deles de referência. O maior deles é gerido pelo Instituto de Gestão Estratégica (Iges-DF), que até hoje não disse a que veio. A não ser pela parte da destinação de milhões em crédito (dinheiro público) que não se justificam na prática, já que faltam profissionais, medicamentos e equipamentos nas oito unidades administradas por ele.
Em outubro, o Ministério Público (MPDFT) cobrou, em relatório, a recuperação de pelo menos 13 dos 16 hospitais. Segundo o levantamento, há diversos problemas nas unidades, entre falhas na manutenção, salas bloqueadas e falta de profissionais, insumos e medicamentos.
O Hospital de Ceilândia, por exemplo, está, novamente, com o pronto-socorro da Ginecologia interditado por conta de uma infestação de piolhos de pombo. Não se vê e nem se ouve falar de um plano de recuperação e manutenção da estrutura já existente.
Repito: a saúde não vive de obras. Ao contrário do que afirma o GDF, se a saúde continuar a ser tratada desta maneira, o atendimento de emergência não será fortalecido com novos hospitais e UPAs. Projetos arquitetônicos não salvam vidas. Menos ainda puxadinhos, como o Hospital do Sol.
Outra questão que preocupa é: cadê o fortalecimento da Atenção Primária? Em 1978, a Conferência de Saúde de Alma-Ata já condenava o modelo “hospitalocêntrico” – mais caro e menos eficaz na prevenção de doenças, focado no atendimento em prontos-socorros e emergências.
Hoje, a Estratégia Saúde da Família do DF tem um dos menores índices de cobertura do País. Além disso, é urgente colocar médicos de especialidades básicas de volta aos postos de saúde. A Atenção Primária, se bem cuidada, é capaz de resolver mais de 90% das demandas de saúde.
Mais uma vez, asseguro: ampliar a oferta de assistência à saúde da população começa, no DF, pela contratação de profissionais de saúde qualificados, devidamente remunerados, e pela extinção do Iges, um buraco negro no SUS-DF. Chega de elefantes brancos e de improvisação!