Uma novela com enredo tipicamente brasiliense, que se arrasta há quase oito anos, pode chegar ao epílogo no próximo dia 11 de dezembro. Após 542 reuniões públicas de 2015 até hoje – sendo 95 específicas para tratar do projeto –, 46 encontros da câmara técnica, três grandes audiências públicas e 24 consultas aos moradores das regiões administrativas do DF, será votada a Lei do Uso e Ocupação do Solo (Luos).
A menos que haja interferência da Justiça – a Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística (Prourb) – estuda acionar o Ministério Público para suspender a votação e adiar a decisão para o próximo ano –, o presidente da Câmara Legislativa e seus pares estão determinados a encerrar a atual legislatura apresentando um desfecho da trama à sociedade.
Há de se estranhar, no entanto, a convergência de opiniões entre setores tão díspares. Além de Joe Valle (PDT) – o único no Parlamento com poder de não colocar a matéria em votação –; o atual governador, Rodrigo Rollemberg (PSB), e seu sucessor Ibaneis Rocha (MDB) – que o derrotou nas urnas em outubro – defendem a apreciação do projeto ainda neste ano. Na mesma linha, o deputado Chico Vigilante (PT), que faz oposição a ambos, afirma que a aprovação da Luos, cuja tramitação começou em 2011, na gestão Agnelo Queiroz (PT), da qual ele fez parte, é o único caminho para destravar a economia do DF. O distrital reeleito Reginaldo Veras (PDT), muito próximo a Joe, não vê chances de o presidente da Casa recuar.
Não é segredo para ninguém que os interesses em torno da Luos são gigantescos. Passam pela norma a regularização de 360 mil lotes em todo o DF, o que atinge 90% da população brasiliense. E todos os espectadores, entendendo ou não do assunto e não acompanham as discussões, sabem perfeitamente que o montante em dinheiro é incalculável. A simples mudança de destinação de um terreno para shopping no Lago Sul pode envolver milhões de reais. Resta saber quem vai ganhar com isso: a população, empresários, gente do governo ou políticos.
Jogar luz sobre o debate da Luos é um dever de todos, embora os bastidores de cada negociação seja um pântano nebuloso inacessível aos reles mortais. Após a sessão da pancadaria ocorrida segunda-feira (26) na Câmara Legislativa, na reunião de um “fórum” convocada pela deputada Telma Rufino (Pros) com ares de audiência pública – e uma coisa não substitui a outra –, o secretário de Gestão do Território de Habitação (Segeth), Thiago de Andrade, veio a público demonstrar sua indignação com a violência ocorrida. Mas deixou a brecha para quem já duvida da lisura do processo: “o debate da Luos é humano. Portanto, não existe perfeição”.
A questão que se apresenta, porém, é que o imperfeito nem sempre é fruto de erro involuntário. Antes, ao contrário. Cumprindo suas prerrogativas, os deputados distritais apresentaram nada menos de 104 emendas ao texto do GDF. E este, após contestações dos representantes da sociedade, foi obrigado a fazer diversas mudanças – a título de ajustes – em sua proposta. Com isso, incontáveis jabutis foram tirados de cima das árvores e submarinos acabaram abatidos. Mas ninguém duvida que muitos desses seres e objetos tenham sobrevivido ou escapado aos olhos de lince de gente dedicada à preservação de Brasília e da qualidade de vida que a cidade nos proporciona a todos.
É certo, porém, que um possível adiamento da votação da Luos para 2019 pode causar prejuízos a todos. Afinal, chegarão 16 novos deputados recém-eleitos. E cada um deles traria novas contribuições, novas interpretações e, claro, novos interesses. E assim, em vez da estreia de uma nova novela, teríamos a continuação enfadonha de um enredo com pouquíssimas novidades e desprovido de grandes emoções.