Cristovam Buarque (*)
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No parlamentarismo, o poder muda de partido e de líder sem trocar o presidente ou o rei. Basta nova eleição ou nova aglutinação partidária no Parlamento. No presidencialismo, mudar a composição do poder entre pessoas ou partidos pode ser considerado golpe, mesmo que dentro das normas constitucionais, se os que estão no poder fogem das promessas de candidato e das expectativas dos eleitores.
Entre os dias 2 de fevereiro e 7 de abril deste ano, o poder mudou de mãos no Brasil, como num pacífico e constitucional golpe de estado. O golpe que nessa semana tirou o poder da presidente Dilma e do PT começou quando o ex-presidente Lula relegou promessas de campanha e dividiu o poder com adversários, sem que esses mudassem suas posições na forma de fazer política, nem nas propostas da política com as quais o PT se elegeu prometendo mudar.
Como acontece depois dos golpes, o governo adquiriu estabilidade nas votações no Congresso, mas em troca abriu mão do vigor transformador que caracterizava o discurso e as expectativas de seu eleitor. O governo não caiu, mas mudou. Para continuar no poder, adaptou-se aos poderosos, realizando ajustes de positivo caráter social e distributivo, mas sem as prometidas reformas estruturais na economia, na sociedade e na maneira de fazer política.
Foi a partir da decisão de ganhar a eleição de 2014 a qualquer custo que o golpe se consolidou, usando técnicas de manipulação da opinião. Marqueteiros usaram a publicidade como um tanque de guerra mental capaz de destruir as mensagens e imagens dos opositores e de mostrar o Brasil como um paraíso construído nos doze anos anteriores.
Na lógica de todos os golpes, novos atos foram necessários para manter o poder. Diante dos escondidos desacertos na política econômica, foi necessário trazer um ministro da Fazenda que age contrariamente ao que foi prometido na campanha, como um interventor necessário para corrigir os erros do mandato anterior, escondidos durante a campanha, e desfazendo as promessas dos adversários e as esperanças dos eleitores, como em um golpe.
O golpe se aprofunda no dia 2 de fevereiro, quando o PT não consegue impedir a eleição de Eduardo Cunha para presidente da Câmara e, por determinação do Planalto, reelege Renan Calheiros presidente do Senado. Mas os golpes exigem novos atos que o consolidem. E foi com esse propósito que, no dia 7 de abril, a presidente abriu mão do seu poder, ao dar ao vice-presidente Michel Temer o papel de coordenador político do governo, sem nem mesmo ele ser ministro, cargo do qual poderia, um dia, ser demitido.
Resta esperar para ver se o ministro da Fazenda, os presidentes do Congresso e o vice-presidente da República, com a força adquirida, vão estar combinando seus passos e sintonizado-os com a presidente, ou se algum deles se transformará no líder do grupo. E ela, para sobreviver no poder, terá de se anular, usando diferentes cenografias possíveis, mas com a mesma lógica de golpe: as propostas e comportamentos eleitos não tomam posse.
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(*) Professor Emérito da UnB e senador pelo PDT-DF.