É imprescindível entender que a suspensão das atividades econômicas e o isolamento social nunca constituíram medidas terapêuticas no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus.
O sentido dessas ações e da adoção do lockdown é retardar o avanço da contaminação para evitar que o sistema de saúde entre em colapso por falta de leitos, equipamentos, medicamentos ou assistência especializada.
O que vemos no momento é que estamos no limiar desse colapso, com ocupação dos leitos no serviço público de saúde no limite e ultrapassando 90% nos hospitais privados. Não se engane quem tem plano de saúde achando que está tranquilo.
O número dos casos confirmados, na casa dos 50 mil, que é subestimado, está longe de sequer nos dar a expectativa da chamada imunização de rebanho da nossa população, que ultrapassa 3 milhões de residentes, sem contar os moradores do Entorno que frequentam, diariamente, o Distrito Federal. Seria necessário que mais de 2.100.000 brasilienses se contaminassem.
Diante da perspectiva do aumento de casos e longe da imunização, com a retomada completa das atividades, ainda que fossem criados os leitos de UTI necessários – o que é improvável – eles não seriam recurso suficiente. Medicação, como sedativos e relaxantes musculares, necessários para a intubação das pessoas com insuficiência respiratória aguda, já faltam.
Os leitos criados para o atendimento dos pacientes da covid-19 não são todos dotados de respiradores. No hospital de campanha do Mané Garrinha, de 197 leitos, só 24 foram projetados com respiradores. Além disso, não há profissionais especializados ou mesmo treinados para atender mais do que os leitos existentes – nem médicos nem enfermeiros nem auxiliares de enfermagem.
Chegamos ao ponto de pediatras terem de atender a adultos com covid-19 e psiquiatras terem de medicar pacientes cirúrgicos internados nas emergências porque os clínicos foram desviados para o enfrentamento da pandemia ou porque foram contaminados pelo novo coronavírus.
De 180 casos de profissionais da saúde contaminados, em 5 de maio, passamos para 2.337 acometidos pela doença em 2 de julho – estimativa também subestimada. Como bem ponderou o diretor do Hospital Sírio-Libanês de Brasília, Gustavo Fernandes, em recente entrevista ao Correio Braziliense, é necessário estabilizar para dar novo passo.
Retomar o ritmo de vida normal e recuperar a economia é um desejo e objetivo de todos nós. Mas não podemos perder de vista a preservação da vida e o olhar humanista sobre a presente situação.
Até aqui falei de números, mas sejamos claros: o que está acontecendo é que pessoas estão morrendo num ritmo maior do que nossa capacidade de evitar. Temos, no momento, mais de 600 famílias sofrendo as perdas de entes queridos para a covid-19.
O lockdown é a estratégida necessária para diminuir o contágio e dar tempo para reorganizar o sistema de saúde e, então, podermos atender à população adequadamente, evitando o aumento descontrolado do número de óbitos. É uma tática que deve ser usada em qualquer momento que esse sistema esteja ameaçado de colapso, sob pena de deixarmos morrer quem poderíamos ter salvado com o controle do fluxo da contaminação.
Estrategicamente, no atual momento, dar um passo atrás pode ser a melhor forma de avançar. Em uma ou duas semanas, reduzidas a demanda e a ocupação dos leitos da covid-19, pode-se fazer uma abertura com mais segurança, com oferta de tratamento precoce a quem o desejar e garantia dos meios para que os médicos e demais profissionais de saúde possam dar a melhor assistência às pessoas, sejam elas os familiares de pessoas que conhecemos ou os nossos próprios entes queridos.
Só conhece a dor que essa pandemia representa quem perdeu um parente ou uma pessoa amada para a covid-19. A vida não tem repescagem.