A pedido da força-tarefa Lava Jato do Ministério Público Federal no Paraná (MPF) e da Polícia Federal (PF), a 23ª Vara Federal de Curitiba expediu e a PF cumpre, nesta quarta-feira (26), três mandados de prisão preventiva, 16 mandados de prisão temporária e 73 mandados de busca e apreensão no Paraná (Curitiba, Ponta Grossa, Irati, Londrina, Guaratuba, Morretes, Matinhos, Maringá, Cascavel, São José dos Pinhais, Pinhais, Balsa Nova e Araucária), em São Paulo (São Paulo, São Bernardo do Campo, São José dos Campos e Jundiaí), em Santa Catarina (Joinville e Palhoça) e no Rio de Janeiro (Niterói). O objetivo é aprofundar as investigações sobre a prática de crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, estelionato e peculato em esquema relacionado à administração das rodovias federais no Paraná.
Os alvos das medidas são as seis concessionárias que administram o Anel de Integração do Paraná: Econorte, Ecovia, Ecocataratas, Rodonorte, Viapar e Caminhos do Paraná, além de intermediadores e agentes públicos corrompidos beneficiários de propina.
Esquemas paralelos – De acordo com a investigação, foram identificados dois esquemas paralelos de pagamentos de propinas relatados por réus colaboradores.
O primeiro, iniciado em 1999, era intermediado pela Associação Brasileira de Concessões Rodoviárias (ABCR). De acordo com a investigação, em reuniões presenciais realizadas na sede do Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná (DER/PR) naquele ano, as seis concessionárias acertaram o pagamento mensal de propinas a agentes públicos no DER/PR a fim de obter a “boa vontade” do órgão estatal para a análise de pleitos de aditivos e outros atos que atendessem aos interesses das empresas. Esses pagamentos contaram com a intermediação do diretor regional da ABCR no Paraná, João Chiminazzo Neto, que teve mandado de prisão preventiva expedido contra si.
De acordo com os relatos obtidos de colaboradores, quando se iniciou o esquema, o valor total da arrecadação mensal de propina era de aproximadamente R$ 120 mil, sendo que esse valor era rateado entre as seis concessionárias do Anel de Integração proporcionalmente ao faturamento de cada uma delas. O montante da propina foi atualizado conforme os reajustes tarifários, chegando a aproximadamente R$ 240 mil mensais em 2010.
Segundo as evidências, os beneficiários finais da propina eram agentes públicos do DER/PR e posteriormente, após 2011, da Agência Reguladora do Paraná (Agepar). As entregas eram realizadas com dinheiro em espécie, sendo os valores entregues na sede da ABCR Curitiba por emissários das concessionárias. Para obtenção de dinheiro em espécie, as concessionárias simulavam ou superfaturavam a prestação de serviços com empresas envolvidas no esquema. Entre os operadores financeiros que simulavam a prestação de serviços, estavam Adir Assad e Rodrigo Tacla Duran, ambos envolvidos na operação Lava Jato. Somente para o Grupo Triunfo, controlador da Econorte, Adir Assad faturou R$ 85 milhões em notas frias. Já para o Grupo CCR, controlador da Rodonorte, foram produzidas notas frias que somaram R$ 45 milhões.
Somente deste esquema, estima-se o pagamento de propina de aproximadamente R$ 35 milhões, sem atualização monetária. Os pagamentos duraram até o final de 2015.
Irregularidades nos aditivos – Vigorando o esquema de pagamento de vantagens indevidas no DER/PR, em 2000 e 2002 o governo do Paraná firmou aditivos contratuais com todas as seis concessionárias. Esses aditivos geraram polêmica e foram objeto de dezenas de ações judiciais, especialmente porque reduziram investimentos e elevaram tarifas em detrimento dos usuários. Em 2012, análise de auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) identificou diversas irregularidades nesses aditivos. Conforme a corte de Contas: 1) embora os investimentos previstos no contrato original tenham sido remanejados para os últimos anos das concessões, sem quaisquer justificativas técnicas, desconectados das necessidades dos usuários dos trechos rodoviários atingidos, os valores originalmente previstos para restauração, recuperação e manutenção dessas obras não executadas permaneceram incorporadas às tarifas de pedágio cobradas dos usuários, portanto o usuário pagou por um serviço que não foi executado; 2) a alteração do critério de medição dos serviços realizados de “área estimada” para “quantitativo de insumos” tornou a fiscalização menos eficaz e facilitou a utilização de materiais de baixa qualidade, que exigem maiores gastos com manutenção, em benefício das concessionárias, eliminando assim o risco de execução assumido no contrato original; 3) a ocorrência de significativas mudanças nos cenários econômicos, desde a época em que foram assinados os contratos, que impactaram o custo do capital, eventualmente desonerando as concessionárias, não foram consideradas nos ajustes promovidos, de modo a reduzir proporcionalmente as tarifas cobradas dos usuários; ao contrário, há indícios de que o fluxo de caixa alterou-se em prol das concessionárias mesmo levando-se em conta, na avaliação dos investimentos, o custo de oportunidade da época em que os contratos foram assinados.
Mesmo após os aditivos de 2000 e 2002, diversos outros atos administrativos e aditivos favoreceram as concessionárias. Seguiram-se diversas modificações contratuais com as concessionárias ao longo dos anos. Uma alteração feita em 2005, por exemplo, suprimiu mais de 125 km de duplicações da Ecocataratas nos trechos entre Cascavel e Matelândia e de Guarapuava a Três Pinheiros. Já ato administrativo de 2011 adiou por sete anos a duplicação de 41 km entre Pirai do Sul e Jaguariaíva pela Rodonorte, sem redução tarifária.
As investigações indicam que, além dessas entregas mensais em favor do DER/PR e da Agepar em 2013, Chiminazo intermediou o pagamento de propina para agentes públicos relacionados à CPI dos Pedágios e ao Tribunal de Contas do Estado (TCE). Para efetivar a entrega dessas propinas, o diretor da Caminhos do Paraná, Ruy Giublin, cedeu uma sala comercial no centro de Curitiba. O objetivo era obstar as investigações iniciadas na Assembleia Legislativa e também impedir a fiscalização do TCE nas concessionárias.
Pagamentos mensais ao DER/PR – Em paralelo ao esquema de arrecadação de propina via ABCR, há evidências de que, em janeiro de 2011, foi implementado no governo estadual do Paraná esquema de pagamentos de propinas mensais de aproximadamente 2% dos valores de cada contrato vigente com os fornecedores do DER/PR. Cabia ao operador financeiro Aldair Petry, conhecido como Neco, o recolhimento mensal dos valores que eram pagos em espécie, que totalizam aproximadamente R$ 500 mil. Esse esquema durou até 2014, período em que teriam sido pagos aproximadamente R$ 20 milhões em propinas.
Para a produção dos valores em dinheiro vivo, as concessionárias superfaturavam a contratação de serviços com empresas indicadas por Pepe Richa, então secretário de Infraestrutura e Logística. A investigação apontou que aproximadamente 70 empresas estiveram envolvidas nesse esquema, estando entre elas as concessionárias de pedágio do Anel de Integração. Em troca, as empresas obtinham a “boa vontade” do DER/PR para firmar aditivos generosos.
Além do esquema de pagamento de propinas por intermediários, as concessionárias mantinham pagamentos diretos a determinados agentes públicos do DER/PR e da Agepar. De acordo com as investigações, a última propina direta foi paga em janeiro de 2018, pouco antes da prisão do ex-presidente da Econorte, Helio Ogama, que firmou acordo de colaboração premiada.
Irregularidades começaram a ser apontadas pelo MPF em 2013 – As irregularidades na administração da concessão começaram a ser apontadas por um grupo de trabalho do MPF em 2013. Na época, foram identificados 13 atos secretos que beneficiaram as concessionárias, além de diversas doações eleitorais suspeitas. A investigação da Lava Jato comprovou que tais atos eram editados como contraprestação por propinas pagas sistematicamente pelas concessionárias.
Para embasar as medidas requeridas, foram obtidas evidências de quebra de sigilo de dados bancários, fiscais, telemáticos e telefônicos que comprovaram as afirmações dos colaboradores. Além disso, foram realizadas diligências que comprovaram a utilização de dinheiro em espécie por parte dos beneficiários finais do esquema. Segundo os investigadores, o ex-secretário Pepe Richa, por exemplo, usou R$ 500 mil da propina para a aquisição de um terreno em Balneário Camboriú (SC), cuja escritura foi subfaturada e a diferença paga em espécie “por fora”. “A utilização de dinheiro em espécie para pagar por imóveis que são registrados por um valor inferior ao negociado configura uma forma clássica de lavagem de dinheiro utilizando o mercado imobiliário, e já foi vista inclusive em outros casos na Operação Lava Jato”, pontuou o procurador da República Diogo Castor de Mattos.